Hoje na Sábado escrevo sobre Viagens, de Virginia Woolf (1882-1941), um livro que a autora nunca escreveu. A partir de excertos do diário, cartas avulsas, artigos e ensaios, Jorge Vaz de Carvalho organizou um volume com este título. Com efeito, a autora de Mrs. Dalloway nunca escreveu um livro de viagens, mas a solução encontrada preenche a lacuna. Ao longo da vida, Virginia fez viagens a Itália, Portugal, Espanha, Grécia, Turquia, Alemanha, França, Irlanda e Holanda, repetindo algumas em anos diferentes. A França, por exemplo, foi dezasseis vezes. Escreveu sobre essas experiências a partir de Novembro de 1904, tinha então 22 anos. Várias delas foram mais tarde transpostas para obras de ficção. As observações sobre Portugal são parcimoniosas. Virginia e o irmão Adrian desembarcam em Leixões, apanhando no Porto o comboio para Lisboa porque uma avaria no navio alterou os planos iniciais. Acerca de Lisboa, diz que é uma cidade «ampla, brilhantemente branca e limpa...». Refere o Hotel Borges, onde ficaram instalados, os eléctricos velozes, o Cais do Sodré, a Praça do Cavalo Preto (o Terreiro do Paço) e uma visita ao cemitério inglês para ver a campa de Henry Fielding, o autor de Tom Jones (1749). A partida para Sevilha deu-se nessa mesma noite. Portugal foi um brevíssimo entreacto. Mas, por comparação com a capital portuguesa, considera Sevilha cheia de defeitos: «É uma cidade a que acho difícil acostumar-me.» Numa carta a Violet Dickinson datada de Abril de 1905, matiza o juízo, mas volta a sublinhar que «Lisboa é uma cidade esplêndida, com pelo menos um belo edifício, a grande igreja em Belém.» Na Primavera de 1925, no extremo Sul da França, acompanhada de Leonard, algures entre Cassis e La Ciotat, sente-se feliz: «Ninguém dirá de mim que não conheci a felicidade perfeita.» O turismo não era o que é hoje, mas Virginia não deixa de reflectir sobre relações entre «pessoas que não se conhecem». Em Maio de 1937, com a guerra no horizonte, Virginia volta a França: «No domingo foi a fête. Pessoas com roupas vivas. Aldeias cheias de homens negros, ali parados.» Um belo patchwork de textos de natureza diferente. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d'Água.
Escrevo ainda sobre Poemas Escolhidos, do americano Ron Padgett (n. 1942). Uma selecção feita por Rosalina Marshall a partir de quatro livros do autor. O primeiro, Big Cabin, será inédito: não se encontram quaisquer referências a seu respeito, e Rosalina Marshall também o omite da bibliografia e da lista de títulos publicados. Padgett faz parte da segunda geração da denominada Escola de Nova Iorque, que tem Frank O’Hara e John Ashbery entre os seus notáveis. Além de sentido de humor, os poemas de Padgett têm ritmo jazzístico. É assim desde os primeiros livros, mas nota-se de forma clara no mais recente, Sozinho Mas Não Só (2015). Tradutor de Apollinaire e outros poetas franceses, amante de banda desenhada, doseia bem o nonsense e os envios culturais: «Passei toda a vida / a pensar que era um rapaz, / depois um homem […] e talvez um bocadinho borboleta.» A retórica belisca alguns poemas em prosa, e o mesmo sucede com os versos de Tudo Depende. Três estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.