sexta-feira, 15 de novembro de 2019

CONTRA CORBYN


Um grupo de 24 personalidades da vida cultural britânica fez publicar no Guardian uma carta na qual declara não poder votar no Labour porque isso significaria apoiar o anti-semitismo de Corbyn.

Entre os signatários, na sua maioria votantes tradicionais do Labour, estão os historiadores Antony Beevor, Tom Holland e Dan Jones, os escritores John Le Carré, Fay Weldon, William Boyd e Frederick Forsyth, o empresário Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, os actores Joanna Lumley, Simon Callow e Tom Holland, o activista Fiyaz Mughal, fundador do grupo Tell Mama (Measuring Anti-Muslim Attacks), o consultor internacional Ghanem Nuseibeh, presidente da associação britânica dos muçulmanos que lutam contra o anti-semitismo, o radialista Maajid Nawaz, o realizador Dan Snow, autor dos principais programas de História da BBC, e o jornalista-cineasta Oz Katerji.

Primeiro e último parágrafos da carta:

«The coming election is momentous for every voter, but for British Jews it contains a particular anguish: the prospect of a prime minister steeped in association with antisemitism. Under Jeremy Corbyn’s leadership, Labour has come under formal investigation by the EHRC for institutional racism against Jews. Two Jewish MPs have been bullied out of the party. Mr Corbyn has a long record of embracing antisemites as comrades. [...]

Opposition to racism cannot include surrender in the fight against antisemitism. Yet that is what it would mean to back Labour and endorse Mr Corbyn for Downing Street. The path to a more tolerant society must encompass Britain’s Jews with unwavering solidarity. We endorse no party. However, we cannot in all conscience urge others to support a political party we ourselves will not. We refuse to vote Labour on 12 December

Imagem: Guardian, jornal apoiante do Labour. Clique.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

SIEMPRE DENTRO DE LA CONSTITUCIÓN


Sánchez e Pablo Iglesias assinaram ao fim da manhã um pré-acordo de coligação.

Diz o texto: «El PSOE y Unidas Podemos hemos alcanzado un preacuerdo para conformar un Gobierno progresista de coalición que sitúe a España como referente de la protección de los derechos sociales en Europa, tal y como los ciudadanos han decidido en las urnas. [...] Los detalles del acuerdo se harán públicos en los próximos días. Actualmente, estamos avanzando conjuntamente en una negociación encaminada a completar la estructura y funcionamiento del nuevo Gobierno [...]»

O paper tem dez pontos. O n.º 9 estabelece: «El Gobierno de España tendrá como prioridad garantizar la convivencia en Cataluña y la normalización de la vida política. Con ese fin, se fomentará el diálogo en Cataluña, buscando fórmulas de entendimiento y encuentro, siempre dentro de la Constitución. También se fortalecerá el Estado de las autonomías para asegurar la prestación adecuada de los derechos y servicios de su competencia. Garantizaremos la igualdad entre todos los españoles

Não acredito na eficácia da solução. E gostava de saber onde vão buscar os 21 deputados que lhes faltam para a investidura e aprovação dos orçamentos de Estado.

Clique na imagem de El País.

ATLAS DOURADO


Foi agora traduzido o fabuloso Atlas Dourado do historiador britânico Edward Brooke-Hitching. Ao longo de 256 páginas encontramos mapas raros coloridos à mão, pinturas e gravuras antigas que nos revelam como o mundo se tornou conhecido.

Os 39 capítulos da obra abordam, entre outros, temas como a cartografia da antiguidade, a descoberta da América pelos vikings, as viagens de Marco Polo, os descobrimentos portugueses (em três capítulos), a circum-navegação de Magalhães, a viagem de Francis Drake, a descoberta da Nova Zelândia, a expedição de Vitus Bering, a era das mulheres viajantes e a corrida ao Polo Norte.

O apuro gráfico da edição faz justiça à qualidade das imagens (algumas são deslumbrantes) e o índice remissivo é um precioso auxiliar de leitura. A Bertrand está de parabéns.

Agora é preciso traduzir a obra mais famosa do autor, The Phantom Atlas: The Greatest Myths, Lies and Blunders on Maps.

Clique na imagem.

BOLÍVIA


Foi nestas condições que Evo Morales passou as últimas horas antes de partir para o México, país que lhe concedeu asilo político. O antigo Presidente deixou ontem a Bolívia, a bordo de um avião militar mexicano.

A imagem é do Twitter de Morales.

Recordar que, anteontem, por imposição dos militares, Morales renunciou ao cargo que ocupava desde Janeiro de 2006.

Nos quase catorze anos de exercício presidencial, Morales fez recuar de 37% para 17% o segmento da população que vivia abaixo do limiar da pobreza.

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segunda-feira, 11 de novembro de 2019

RIVERA SAI DE CENA


Em consequência do resultado eleitoral — perdeu 2,5 milhões de votos e 47 deputados —, Rivera demitiu-se há pouco de líder do CIUDADANOS.

O desaire eleitoral é resultado da teimosia dos últimos sete meses, bloqueando a investidura de Sánchez.

No dia em que sai de cena, recordar os cartazes de Setembro de 2006, nos quais posava nu para enfatizar que só as pessoas interessavam.

Clique na imagem de El País.

NOVO IMPASSE


Resultados oficiais das eleições em Espanha, com 99,9% dos votos escrutinados:

— Com 6,7 milhões de votos e 120 deputados eleitos, o PSOE venceu as eleições.

— Com 5 milhões de votos, o PP elegeu 88.

— Com 3,6 milhões de votos, o VOX (extrema-direita) elegeu 52 e tornou-se o terceiro partido de Espanha, sendo o vencedor absoluto na Comunidade Autónoma de Múrcia.

— Com 3 milhões de votos, o PODEMOS elegeu 35 deputados.

— Com 1,6 milhões de votos, CIUDADANOS apenas elegeu 10 deputados.

Rivera, líder do CIUDADANOS, é o grande derrotado da noite. Perdeu 47 deputados e 2,5 milhões de votos.

A almejada coligação do PP com o VOX não serve para nada.

A abstenção foi de 30,13%.

Clique na imagem de El País.

sábado, 9 de novembro de 2019

MURO, 30 ANOS


Completam-se hoje 30 anos sobre a queda do Muro de Berlim.

Eram onze da noite de 9 de Novembro de 1989 quando Günter Schabowski, porta-voz da comissão política do Sozialistische Einheitspartei Deutschlands (o partido único da RDA), declarou aberta, com efeitos imediatos, a fronteira entre a RDA e a RFA.

À medida que a conferência de imprensa prosseguia, dezenas de milhares de berlinenses do Leste dirigiram-se para o Checkpoint Charlie e para as várias passagens do Muro. Sem ordens superiores para agir, os militares renderam-se à evidência.

Embora parecesse um lapsus linguae, Schabowski, número dois do SED, sabia o que estava a fazer. O protocolo sobre a abertura da fronteira previa discussões a partir do dia seguinte, no Politburo, onde a situação poderia ser revertida ou, na melhor das hipóteses, adiada para as calendas.

Foi assim, deste modo, que tudo mudou nas duas Alemanhas.

A 3 de Outubro de 1990, menos de um ano passado sobre a abertura do muro, a RDA foi dissolvida e concretizou-se a reunificação alemã, voltando Berlim a ser a capital do país.

Trinta anos passados, os Estados comunistas que faziam parte da antiga RDA votam maioritariamente na extrema-direita.

Para memória futura, Berlim conserva pedaços dos 155 quilómetros do Muro original.

Na imagem, a secção do muro junto às Portas de Brandemburgo. Clique.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

LULA LIBERTADO

Eram 18:00 em Curitiba [21:00 em Lisboa] quando Lula da Silva saiu da cadeia.

«Eu saio com o maior sentimento de agradecimento. Eu tenho vontade de provar que esse país pode ser muito melhor a hora que ele tiver um governo que não minta pelo Twitter como Bolsonaro mente

Foi o juiz Danilo Pereira Júnior, da 12.ª Vara Federal de Curitiba, quem decidiu que a libertação seria hoje mesmo, menos de 24 horas transcorridas sobre o acórdão do Supremo.

Após 580 dias em cativeiro, o ex-Presidente foi recebido e aplaudido por centenas de apoiantes.

Sergio Moro, ex-juiz e actual ministro da Justiça, disse à imprensa que é necessário alterar a Constituição para impedir estas golpadas.

BRASIL EM TRANSE


Por 6 votos contra 5, o Supremo Tribunal Federal do Brasil estabeleceu que ninguém pode ser preso antes de esgotados todos os recursos previstos na Constituição.

A medida beneficia cerca de cinco mil presos, sendo um deles Lula da Silva, preso em Curitiba desde Abril de 2018.

A decisão foi tomada ao fim quatro sessões plenárias, iniciadas em 17 de Outubro, constituindo uma derrota clamorosa dos procuradores da Operação Lava Jato.

Aguarda-se para hoje a libertação do ex-Presidente.

Bolsonaro e os filhos lamentaram publicamente a decisão do Supremo.

Imagem: sessão do STF que exarou o acórdão.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

GEORGE MONTEIRO 1932-2019


Morreu ontem, aos 87 anos, o poeta e ensaísta George Monteiro, professor emérito da Brown University, de Providence.

Filho de pais portugueses, Monteiro nasceu na vila de Valley Falls, em Rhode Island, mas tinha poucos meses de idade quando, na companhia da mãe, Maria Augusta Temudo, veio para Portugal. E foi na Beira Alta que passou parte da infância, regressando aos Estados Unidos assim que a mãe obteve autorização de residência. Desde então viveu sempre nos Estados Unidos, salvo um intervalo (nos anos 1960) de dezoito meses, no Brasil.

Depois de frequentar as escolas públicas de Cumberland, Monteiro formou-se nas universidades de Brown e Columbia, tornando-se professor de literatura.

Da sua vasta obra ensaística destacam-se estudos sobre, entre outros, Fernando Pessoa, Elizabeth Bishop, Stephen Crane, Emily Dickinson, Henry James e José Rodrigues Miguéis. Traduziu para inglês autores como Pessoa, Miguéis, Torga e Sena.

Em 1975 tornou-se director do Centro de Estudos Brasileiros e Portugueses da Brown University.

Poeta tardio — terá começado a escrever poemas depois dos 40 anos de idade —, reuniu em The Pessoa Chronicles. Poems 1980-2016, da Bricktop Hill Books, o essencial da sua poesia.

Clique na imagem.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

SOPHIA, CEM ANOS


Faz hoje cem anos que nasceu Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), poeta, contista, ensaísta e tradutora.

Sophia nasceu no Porto, mas veio viver para Lisboa em 1937. Em 1946 casou com o advogado Francisco Sousa Tavares, de quem teve cinco filhos e de quem se divorciou em 1985. Entre 1975-76 foi deputada, eleita pelo PS, à Assembleia Constituinte.

Entre muitos outros, recebeu o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças (1992), o Prémio Camões (1999) e o Prémio Rainha Sofia (2003).

Por razões familiares, recusou dois cargos institucionais propostos por Mário Soares: o de secretária de Estado da Cultura e o de embaixadora de Portugal em Paris. Mas, em 1987, aceitou ser nomeada Chanceler das Ordens Nacionais.

Em 1998 foi doutorada honoris causa pela Universidade de Aveiro.

Organizada por Carlos Mendes de Sousa, a obra poética completa [1944-2001] foi publicada pela Editorial Caminho em 2010, num volume reeditado a partir de 2015 pela Assírio & Alvim.

Em 2014, os restos mortais de Sophia foram trasladados para o Panteão Nacional.

A foto da imagem é de 1996. Clique.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

FOIE GRAS OUT

Se gosta de foie gras e vai a Nova Iorque já sabe que não o encontrará em nenhum restaurante. Depois de Los Angeles (e de outras cidades da Califórnia), foi a vez de Nova Iorque proibir o foie gras.

Londres prepara-se para fazer o mesmo com o foie gras importado. A produção britânica está há muito interdita. Mas a Conservative Animal Welfare Foundation quer proibir a importação.

INTERCAMPUS


Tanto alarido com a orgânica e o tamanho do novo Governo, e o resultado da sondagem mais recente da Intercampus, hoje divulgada pelo Negócios e pelo Correio da Manhã, é este.

O PS cai 0,7% mas o PSD cai 3%, É obra! O partido que mais sobe é o PAN, ultrapassando o CDS.

Clique na imagem do Negócios.

domingo, 3 de novembro de 2019

WEB SUMMIT 2019

A Web Summit só começa amanhã mas hoje já foi um domingo diferente em Lisboa.

Repito o que escrevi em anos anteriores: faz-me confusão que uma autarquia de Esquerda patrocine um evento de natureza neo-liberal. Dito de outro modo: um evento formatado ao arrepio de preocupações de solidariedade social.

Estão inscritas 71 mil pessoas? Os hotéis subiram as tarifas e, mesmo assim, vão ter taxas de ocupação superiores a noventa por cento? Os ingressos para o Altice Arena esgotaram anteontem? Os melhores restaurantes de Lisboa a Cascais têm as reservas fechadas há vários dias? E daí?

Hordas de millennials tudo farão para não perder as intervenções de Edward Snowden (vídeo-conferência, presumo), Margrethe Vestager, Brad Smith, Kete Brandt, Guo Ping (sim, o chairman da Huawei), Katherine Maher, Michel Barnier, Melanie Perkins, Eric Cantona (e por que não Ronaldo?), Gillian Tans, Toby Blair (esse, o beato), Werner Vogels e outros. Um elenco de peso, sim senhor.

O sponsor é que está errado. Em vez da CML devia ser a Iniciativa Liberal.

sábado, 2 de novembro de 2019

SENA, CEM ANOS


Faz hoje cem anos que nasceu Jorge de Sena (1919-1978), o mais importante intelectual português do século XX. Poeta, romancista, contista, dramaturgo, ensaísta, camonista, historiador da literatura, memorialista, crítico, antologiador, tradutor e professor, Sena é uma figura ímpar da língua portuguesa. 

De um texto que escrevi e publiquei em 1999, mais tarde coligido no meu livro Comenda de Fogo (2002), respigo alguns acidentes biográficos. Não é uma transcrição do texto original. As obras citadas correspondem a uma ínfima parte da bibliografia do autor.

Natural de Lisboa, Sena fez estudos de piano e foi aluno de Rómulo de Carvalho (o poeta António Gedeão) no Liceu Camões. Aos 17 anos ingressou na Escola Naval, tendo feito uma viagem no navio-escola Sagres, entre Outubro de 1937 e Fevereiro de 1938. Em 14 de Março de 1938 foi excluído da Marinha de Guerra.

Sob o pseudónimo de Teles de Abreu publicou os primeiros textos em Março de 1939. O primeiro livro  —  Perseguição  —  saiu em Junho de 1942. Concluiu o curso de engenharia civil em Novembro de 1944. Viu-se obrigado a fazer o serviço militar entre 1945 e 1946. Durante doze anos (1947-59) desenvolveu actividade profissional no ministério das Obras Públicas. Em Março de 1949 casou-se com Maria Mécia de Freitas Lopes, irmã de Óscar Lopes. Co-dirigiu as 2.ª e 3.ª séries dos Cadernos de Poesia (1951-53). Fez um estágio de engenharia em Inglaterra, no ano (1952) em que começou a traduzir os poemas ingleses de Fernando Pessoa. Em 1953, divulgou a poesia de Kavafis.

A PIDE apreendeu As Evidências (1955), rotulando o livro de subversivo e pornográfico. Publicou a tradução de Porgy & Bess. A 11 de Março de 1959 envolveu-se no frustrado Golpe da Sé e, no mês seguinte, publicou o primeiro volume de ensaios, Da Poesia Portuguesa. Face à situação política do país, parte a 7 de Agosto para o Brasil, desembarcando no Recife. Mécia e os sete filhos nascidos em Portugal juntam-se-lhe a 17 de Outubro.

O exílio brasileiro, que duraria seis anos, foi o corolário de uma intricada teia de insatisfações. Discurso directo: «Em Portugal, se eu me tivesse lançado na engenharia particularmente, à margem da minha actividade oficial de funcionário, poderia ter ganho muito dinheiro talvez. E houve muitas pessoas que estranhavam que o não fizesse. Mas se eu tivesse feito isso, quando teria sido o escritor que, em 1959, tinha títulos suficientes para mudar de vida

O início da docência universitária  —  na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, em São Paulo  —  mudou tudo, porque «uma situação financeiramente desafogada [...] bolsas de pesquisa, etc., me garantiram a possibilidade de dedicar-me integralmente à produção literária.» No Brasil, à margem da docência, foi director literário da Editora Agir, do Rio de Janeiro, fez conferências, participou de congressos, e colaborou largamente na imprensa. Em 1960 publica Andanças do Demónio, primeira colectânea de contos. Demitiu-se da direcção da Unidade Democrática Portuguesa no mesmo ano em que publicou O Reino da Estupidez. Em Março de 1963 torna-se cidadão brasileiro. No ano em que começa a escrever Sinais de Fogo, prestou provas de doutoramento (1964) com uma tese sobre Os Sonetos de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular.

Entretanto, na sequência do golpe militar brasileiro de 31 de Março de 1964, Sena foi demitido por telefone da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto, onde desde 1962 era professor visitante. O ambiente torna-se irrespirável e Sena troca o Brasil pelos Estados Unidos. Tem agora mais dois filhos, nascidos em terra brasileira. 

A 7 de Outubro de 1965, após seis anos de Brasil, Sena e a família desembarcam em Nova Iorque, em trânsito para a Universidade do Wisconsin (Madison). Os treze anos seguintes, os anos americanos, foram uma sucessão de realizações académicas (em 1967 foi nomeado professor catedrático efectivo de Literatura Portuguesa e Brasileira), colóquios e congressos internacionais, viagens planetárias, conferências em vários países, trabalho insano, uma obra notável que não parou de crescer: «Podereis roubar-me tudo: / as ideias, as palavras, as imagens, / e também as metáforas, os temas, os motivos [...] E podereis depois não me citar, / suprimir-me, ignorar-me, aclamar até / outros ladrões mais felizes [...] Nada tereis, mas nada: nem os ossos, / que um vosso esqueleto há-de ser buscado, / para passar por meu. E para outros ladrões, / iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo

De Portugal chega uma tardia consagração: a revista O Tempo e o Modo dedica-lhe, em Abril de 1968, o n.º 59, inteiramente dedicado (são 134 páginas) à sua pessoa: nota de abertura, breve autobiografia, entrevista sulfurosa, antologia seniana, artigos de fundo e depoimentos de 24 escritores. Foi uma espécie de reconciliação nacional, embora persistissem muitos anticorpos. E quando, a 22 de Dezembro, tenta entrar em Portugal, é detido pela PIDE na fronteira de Valencia de Alcantara. Blanc de Portugal intercede junto de Marcello Caetano e ao fim de 24 horas concedem-lhe visto de entrada. Ficará em Lisboa durante dois meses. 

Em 1969 sai Peregrinatio ad Loca Infecta e, no ano seguinte, muda-se do Wisconsin para a Califórnia. Em Julho de 1972 visita Moçambique, proferindo três conferências em Lourenço Marques. Durante uma visita à ilha de Moçambique, na companhia de Rui Knopfli, escreve: «[...] Tudo passou aqui  —  Almeidas e Gonzagas, / Bocages e Albuquerques, desde o Gama. / Naqueles tempos se fazia o espanto / desta pequena aldeia citadina / de brancos, negros, indianos e cristãos, / e muçulmanos, brâmanes e ateus. / Europa e África, o Brasil e as Índias, / cruzou-se tudo aqui neste calor tão branco / como do forte a cal no pátio, e tão cruzado / como a elegância das nervuras simples / da capela pequena do Baluarte. / Jazem hoje aqui em lápides perdidas / os nomes todos dessa gente que, / como hoje os negros, se chegava às rochas, / baixava as calças e largava ao mar / a malcheirosa escória de estar vivo [...] como se te limparas de miséria, / e de desgraça e de injustiça e dor / de ver que eram tão poucos os melhores, / enquanto a caca ia-se na brisa esbelta, / igual ao que se esquece e se lançou de nós.» 

Publicará ainda duas excepcionais colectâneas de poesia, Conheço o Sal... e Outros Poemas (1974) e Sobre Esta Praia... Oito Meditações à Beira do Pacífico (1977), considerado o seu testamento poético: «Deitados no saber de ao sol queimarem / o mais oculto de si mesmos são / dois jovens e uma jovem misturados. / Um dos rapazes se recosta contra o corpo / do outro rapaz que alonga dorso e pernas [...] São, como deuses, animais sem cio? / Ou são, como animais, humanos que se aceitam? / Ela é de quem? De um deles só, dos dois? / Um deles será dela mas também do outro? / Será cada um dos três dos outros dois? / Ambos os machos serão fêmeas do outro? / Ou só um deles? Qual dos dois? O que / sentado se recosta? O que deitado / aceita contra o seu o corpo recostado? / Os três são muito belos... [...]» 

Apesar da doença que o mina, agravada por problemas cardíacos, vê publicados os contos reunidos em Os Grão Capitães (1976) e a novela O Físico Prodigioso (1977), agora editada isoladamente. Em Abril de 1977 recebe o prémio internacional de poesia Etna-Taormina, na Sicília. Na ocasião, dirá: «A minha poesia nada tem de patriótica ou de nacionalista, e eu sempre me quis e me fiz um cidadão do mundo, no tempo e no espaço

Vem depois a Portugal, para conferências na Gulbenkian e no 10 de Junho. O discurso da Guarda, no Dia de Portugal, a convite de Eanes, comentado por dois coevos ilustres  —  Saramago e Vergílio Ferreira  —, dá a medida do feedback nacional. Para Saramago, foi uma «imprecação lançada contra os ouvidos rolhados dos espectadores de perto e de longe». Para Vergílio, todo o azedume foi pouco: «E o Jorge de Sena fez a sua cena. Berrou, gesticulou, invectivou. Foi aclamado em delírio. A mesa da presidência veio toda em peso palmear-lhe as costas. Fiquei logo subalternizado.» Sobrou-lhe um sacudido ano de vida. Mágoa maior, o descaso da Universidade portuguesa, que lhe fechou as portas.

O último poema  —  Aviso a cardíacos e outras pessoas atacadas de semelhantes males  —  foi escrito a 19 de Março de 1978. Antes de morrer, ainda vê publicadas as suas Dialécticas Aplicadas da Literatura bem como as Antigas e Novas Andanças do Demónio, obras centrais do ensaio e da ficção senianas.

Em Junho de 1978, quando morreu em Santa Bárbara, na Califórnia, tinha 58 anos. Em Setembro de 2009 os restos mortais foram trasladados para Lisboa.

Mas Sinais de Fogo, obra maior da ficção romanesca em língua portuguesa, provavelmente o romance mais importante do século XX português, só foi publicado postumamente, como também as colectâneas poéticas 40 Anos de Servidão (1979), Sequências (1980), que tem tido uma recepção crítica eviesada, fruto talvez da desembaraçada ultrapassagem de vários interditos, Visão Perpétua (1982), os dois volumes da juvenília reunida por Mécia de Sena em Post-Scriptum II (1985) e os magníficos 80 Poemas de Emily Dickinson (1979). Por escassas semanas, também Poesia do Século XX, que fecha o homérico trabalho de tradução iniciado com Poesia de 26 Séculos (1972), se lhe tornou obra póstuma.

Clique na imagem, o retrato de Sena por Fernando Lemos.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

NHS VS SNS


Os detractores do Serviço Nacional de Saúde ou, mais latamente, todos os que (nunca tendo ido além de Badajoz) repetem o mantra... só no nosso país, devem ler a crónica de Clara Ferreira Alves publicada na edição de hoje da revista do Expresso48 horas no sistema de saúde inglês.

Resumo: a jornalista partiu um pé ao descer as escadas do metro, em Londres, tendo sido observada num hospital universitário, situado perto de Kings Cross, ao fim de quase seis horas de espera. A indispensável cirurgia, suposta ser imediata, foi remetida para as calendas.

«Como é residente em Portugal, recomendamos que viaje para o seu país para se operar...» — foi o veredicto do NHS.

CFA voltou a Portugal, onde foi tratada.

Clique na imagem do Expresso.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

TRAGÉDIA GRENFELL


O incêndio da Torre Grenfell, no bairro de North Kensington, em Londres, deu-se a 14 de Junho 2017. Fez 72 vítimas identificadas, embora tudo indique que tenham sido mais de cem, ou seja, o número de pessoas nunca encontradas, mas alegadamente residentes no local, em regime de subaluguer, por serem imigrantes ilegais. Os 24 andares da Torre Grenfell eram ocupados por apartamentos arrendados a imigrantes.

Ontem, passados mais de 28 meses sobre a tragédia, foi divulgado o relatório oficial da polícia, entregue na véspera aos familiares das vítimas identificadas.

Esse relatório responsabiliza directamente a London Fire Brigade pela dimensão do desastre, notando que vários bombeiros recusaram participar do inquérito.

North Kensington está para Londres como a Buraca para Lisboa ou o Aleixo para o Porto, e todos sabemos que há uma hierarquia de tragédias.

Familiares de algumas vítimas tencionam processar a LFB enquanto instituição e alguns dos seus membros enquanto profissionais que não cumpriram (ou cumpriram de forma errada) as suas funções. A acusação mais frequente diz respeito ao facto de, em simultâneo, terem ocorrido dois tipos de actuação: enquanto alguns moradores receberam ordem de evacuação imediata, a outros foi dito que deviam permanecer dentro de casa. O resultado ficou à vista de todos.

Convém sublinhar que o inquérito levou 28 meses a concluir.

Clique na imagem da BBC.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

C. G. JUNG


Hoje na Sábado escrevo sobre a autobiografia de C. G. Jung (1875-1961), Memórias, Sonhos, Reflexões, organizada por Aniela Jaffé. Uma autobiografia a quatro mãos não corresponde às convenções do género, mas foi o que fizeram Jung e Aniela Jaffé. Antes de morrer, Jung  o fundador da psicologia analítica, acedeu a escrever e falar sobre si. Aniela organizou a obra. O Prólogo, os três primeiros capítulos — Infância, Os anos de escola, Os anos da universidade —, bem como os textos sobre Théodore Flournoy, Richard Wilhelm e Heinrich Zimmer, foram escritos por Jung; o restante foi redigido por Aniela a partir de conversas entre ambos. Depois de entrar em rota de colisão com Freud, que o admirava, Jung fixou o conceito de individuação. Interessado por terapia da dança, arte, religião, ciências paranormais e outros temas, viajante incansável (o Magreb, a Índia, o Quénia. o Uganda, etc.), Jung foi uma personalidade ímpar que esta semi-autobiografia ajuda a descobrir. Além da introdução de Aniela, o volume inclui árvore genealógica, glossário científico, cartas e trechos de obras de Jung. Quatro estrelas. Publicou a  Relógio d’Água.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

VERGONHA

Os eurodeputados portugueses Álvaro Amaro, do PSD, e Nuno Melo, do CDS, votaram contra o salvamento de migrantes.

Foi por dois votos (290 contra 288) que o Parlamento Europeu rejeitou hoje a resolução não vinculativa que pretendia vincular a UE às operações de busca e salvamento no Mediterrâneo.

Entre os 36 abstencionistas encontra-se outro deputado português: José Manuel Fernandes, do PSD.

REINO VAI A VOTOS


Como previsto, e por ampla maioria — 438 votos a favor e 20 contra —, Westminster votou favoravelmente a marcação de eleições gerais para o próximo 12 de Dezembro.

Foi rejeitada a data de 9 de Dezembro, preferida do Lib Dem e dos deputados escoceses.

Não foram aprovadas as propostas que permitiam a votação de jovens de 16 e 17 anos.

Também não foram aprovadas as propostas que permitiam a votação de cidadãos da UE residentes no Reino Unido.

Boris ganhou em toda a linha.

Clique na imagem.