segunda-feira, 28 de maio de 2018

COM AVAL DE BERLIM & BRUXELAS


Sergio Mattarella, o Presidente da República, não aceitou que Paolo Savona fosse ministro das Finanças e Economia no executivo chefiado por Giuseppe Conte. E Conte bateu com a porta, sob aplauso dos partidos que iriam formar Governo, a Liga e o 5 Stelle. Isto foi ontem.

Mattarella diz que não é um simples notário, e tem razão, mas o indigitado primeiro-ministro não gosta de ter um chefe de Estado temente a Berlim e Bruxelas, e tem duas vezes razão. O caos está instalado. Paolo Savona, o homem rejeitado pelo eixo Berlim/Bruxelas, é um economista de 81 anos que não gosta do euro, nem da UE.

Melodramático, Luigi Di Maio, 31 anos, vice-presidente da Câmara de Deputados e líder do 5 Stelle, vai propor o impeachment de Mattarella.

Entretanto, o senhor que se segue é Carlo Cottarelli, 64 anos, antigo director do FMI. Mattarella indigitou-o para formar Governo de gestão. Se o executivo passar no Parlamento, Mattarella compromete-se a convocar eleições antecipadas em 2019. Se chumbar, como se prevê, haverá novas eleições já em Outubro. Os dois partidos que até ontem tinham Governo pronto (a Liga e o 5 Stelle) prometem pôr Roma a ferro e fogo.

Na imagem, Carlo Cottarelli. Clique.

sábado, 26 de maio de 2018

ABORTO NA IRLANDA


Resultado oficial final do referendo:

SIM 66,4% — 1,4 milhões / NÃO 33,6% — 720 mil

O sim venceu mesmo nos distritos ultra-conservadores de Sligo-Leitrim, Cork East e Donegal.

Como em Portugal e na maioria dos países da UE, o aborto a pedido da mulher será livre até à 12.ª semana de gravidez.

Prazo maior só em caso de malformação do feto ou risco de vida. Mas quatro países da UE têm legislação e práticas mais liberais: a Islândia permite até às 16 semanas, a Suécia até às 18, a Holanda até às 22 e o Reino Unido até às 24. Por seu turno, o aborto é crime, em todas as circunstâncias, em três países da UE: na Polónia, Chipre e Malta.

ESPANHA EM TRANSE


Rajoy está por um fio. A sentença do Caso Gürtell acabou com o jogo de sombras dos últimos 11 anos. O PP não tem como escapar ao juízo público, e o actual primeiro-ministro devia convocar eleições. Como não o fará, e o rei não deve interferir, o PSOE registou ontem nas Cortes uma moção de censura. Se vencer a votação prevista para a semana, Sánchez terá de formar governo. Ao contrário de Portugal, as moções de censura em Espanha obrigam o proponente a governar. Mas o líder do PSOE não tem de (nem deve) ficar até ao fim da legislatura. Pode tomar posse e convocar eleições para dali a 60 dias, como pretende Rivera, o líder de Ciudadanos. A ver vamos se os dois se entendem. Seja como for, o tempo de Rajoy expirou. A sua ausência, hoje, na final da Champions, em Kiev, é sintomática.

A imagem de La Vanguardia mostra 8 dos 29 acusados. Clique.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

QUEERQUIVO


André Murraças criou um arquivo LGBTI a que chamou Queerquivo. Ali se publicam testemunhos pessoais sobre personalidades queer portuguesas. Como este que escrevi sobre Guilherme de Melo.

///

Tinha 12 anos quando foi anulado o casamento de Guilherme de Melo. O Guilherme tinha então 30 anos e a família era amiga da minha. A revelação caiu como uma bomba em Lourenço Marques. Como era hábito, os jornais publicavam placards junto aos cafés mais movimentados da cidade (o Continental e o Scala) sempre que uma notícia de última hora o justificava. Foi o que aconteceu a meio da tarde daquele dia de 1961: a Santa Sé dissolvera e anulara, por non consummatum, o casamento do influente jornalista. Nunca esqueci as ondas de choque que o facto provocou.

Embora fosse um miúdo, estava consciente da minha condição homossexual. À época, por força da diferença de idades, as relações com o Guilherme eram nulas: uns vagos cumprimentos em festas de aniversário e pouco mais. Mas, a partir daquele dia, o meu interesse aumentou. Lembrava-me de histórias nebulosas, comentadas aqui e ali, bem como de conversas com uma das irmãs do Guilherme (a propósito de me saber diferente). Excitando a imaginação de todos, a Casa dos Rapazes era a minha preferida. Que casa era essa? Era uma instituição informal que acolhia rapazes sem família e outros a quem chamaríamos hoje problemáticos. Acabou por pressões junto das autoridades, em especial as movidas pela mulher com quem o Guilherme ainda estava casado. E foi por esse motivo, soube muito mais tarde, que a decisão de pôr fim ao casamento foi tomada. O acidente de carro em que o Guilherme quase perdeu a vida era outro episódio que alimentava o gossip. Afinal, era ela que ia ao volante…

Os detalhes vieram com a nossa amizade, cimentada a partir de 1967, ano em que comecei a ser convidado para as famosas festas de sábado à noite. Em Lourenço Marques, a comunidade homossexual tinha por hábito juntar-se nos parties de fim-de-semana. A eclosão da guerra colonial encheu a cidade de militares em trânsito para o Norte, e uma grande parte desses rapazes alinhou com a transgressão. Por volta de quarta-feira, o Guilherme perguntava aos mais próximos o que preferiam para o party dessa semana: Fuzos? Páras? Comandos? Polícias militares?… E lá eram convidados catorze ou quinze centuriões dispostos a tudo. Foi a época de ouro da liberdade sexual. Os rótulos não tinham minado a itinerância das identidades, e em Moçambique, que fica do outro lado do mundo, os mancebos portugueses descobriam que há muitas moradas no céu.

O que fez do Guilherme uma figura única foi o à-vontade com que, a partir de 1961, numa sociedade fechada como era Lourenço Marques, impôs as suas escolhas à opinião pública. Para adolescentes como eu, foi um exemplo. Saber que aquele homem, um jornalista muito influente, tão depressa estava numa esplanada com “um amante”, sem disfarçar a natureza da relação entre ambos, como era convidado para as recepções da Ponta Vermelha, era a prova provada de que podíamos romper a normatividade.

Quando o Guilherme veio para Portugal, em Outubro de 1974, já essas pontes tinham sido queimadas. Mas se há precursores da cultura gay em Portugal, ele é um deles.


[Guilherme de Melo, 1931-2013, foi jornalista e escritor. Publicou nove romances, dois volumes de contos, dois ensaios sobre homossexualidade, uma compilação de reportagens sobre a guerra colonial, um livro de poesia e a biografia romanceada de Gungunhana.]

A imagem é de André Murraças. Clique.

AINDA ROTH


A morte de Philip Roth faz descer o pano sobre uma época prodigiosa da literatura de língua inglesa e, em particular, da cultura americana. Os leitores que durante 50 anos fizeram dos seus livros motivo de júbilo, controvérsia ou mero prazer do texto, sabem que agora acabou. Para sermos exactos, tinha acabado em 2010, ano em que Némesis chegou às livrarias.

Para um homem que tanto escreveu sobre doença e morte, chegou a sua vez. Internado num hospital de Manhattan, Roth morreu a noite passada, vítima de insuficiência cardíaca congestiva. A notícia veio pela boca de Judith Thurman, amiga íntima. Conseguiu ser o último e mais prolífico sobrevivente dos escritores que formataram o século XX americano, sendo os outros Saul Bellow e John Updike.

Natural de Newark, onde nasceu a 19 de Março de 1933, Roth foi criado no bairro de Weequahic, bastião da comunidade judaica da cidade. Os pais eram judeus oriundos da Ucrânia, e o futuro escritor teve uma educação de classe média, segundo o padrão americano, com respeito da tradição: «Segundo a nossa doutrina, a família judaica era um refúgio inviolável contra todos os tipos de ameaça, do ostracismo individual à hostilidade dos gentios», diz ele na sua autobiografia, Os Factos. Após frequentar a High School local, Roth foi para Lewisburg, na Pensilvânia, formando-se em Inglês na Bucknell University. Era o percurso óbvio do filho de um corretor de seguros. A pós-graduação em Literatura Inglesa já seria feita em Chicago, de onde se viu obrigado a partir para cumprir dois anos de serviço militar.

Como muitos escritores jovens, Roth começou por escrever em jornais, quase sempre críticas de cinema encomendadas por The New Republic. O primeiro livro, a colectânea de contos Goodbye Columbus, saiu em 1959. Com ele ganhou o National Book Award, o primeiro de muitos prémios de uma longa carreira. A consagração planetária chegaria dez anos mais tarde, com a publicação de O Complexo de Portnoy, romance de 1969 que, sob a capa da psicanálise, põe em pauta a masturbação masculina. Da parte de um escritor ‘sério’, era a primeira vez que isso se fazia com tal soma de pormenores. A luva de baseboll como instrumento masturbatório é hoje um ícone da indústria pornográfica gay. (Curiosa ironia sobre um autor alegadamente homofóbico.) Para já não falar do intercourse num naco de fígado cru. Estudiosos da Cabala colocaram o livro no Index. Instalada a polémica, Roth viu-se de um momento para o outro investido na qualidade de guru do sexo livre. Convém não esquecer que o lançamento do livro coincidiu com o movimento da contracultura hippie. Tendo o livro saído em Janeiro, é provável que grande parte do meio milhão de participantes do encontro de Woodstock, realizado em Agosto, já tivesse ouvido falar dele, ou mesmo lido. Nada que fosse estranho ao autor, que chegou a escrever um monólogo, entretanto posto de lado, para o musical libertário Oh! Calcutá!, estreado na Broadway justamente em 1969.

Ao contrário de tantos dos seus pares, Roth nunca se preocupou em escrever para agradar. «A literatura não é um concurso de beleza moral», disse em 1984 à revista Paris Review. Portanto, tinha por princípio desenvolver assuntos que inquietassem o senso comum. Isso é notório a partir da altura em que cria a personagem de Nathan Zuckerman, o sulfuroso alter-ego que em nove romances retratou a América sem piedade. A série começa em 1979, com O Escritor Fantasma, e termina em 2007, com O Fantasma Sai de Cena. Estão todos traduzidos em Portugal, embora não pela ordem dos originais. A série não começou da melhor maneira, porquanto Anne Frank, travestida de Amy Bellett, entra no plot. A heresia provocou ondas de choque entre os judeus ortodoxos das elites da Costa Leste e, coincidência ou não, o anunciado Pulitzer foi parar às mãos de Norman Mailer. De nada valeu a Roth insistir na dicotomia entre autor e narrador. O prémio chegaria dezoito anos mais tarde, consagrando Pastoral Americana, o sexto romance ‘de’ Zuckerman.

O interesse de Roth pela história americana foi sempre uma constante. A denúncia do MacCartismo deu corpo a Casei com um Comunista (1998), tal como A Mancha Humana (2000) surgiu na sequência do escândalo Lewinsky, a trapalhada que ia custando a presidência de Bill Clinton: «Foi o Verão da América em que a náusea regressou, em que as chalaças não pararam […] Foi o Verão em que o pénis de um presidente esteve na cabeça de toda a gente e a vida, em toda a sua despudorada obscenidade, confundiu uma vez mais a América.» Quem apenas viu o filme que Benton fez em 2003 a partir do livro, não tem noção do ímpeto vitriólico do romance. Outro aspecto interessante releva do facto de Roth ter escrito algumas das suas obras mais significativas depois dos 65 anos, como acontece com cinco livros aqui citados, mas também com A Conspiração Contra a América (2004) e Indignação (2008), entre outros, evidentemente.

Sexo, doença, morte, identidade judaica, anti-semitismo, puritanismo middle class, meio literário, relação com os pais, foram os seus temas de eleição. Os leitores mantiveram-se fiéis. Os pares também. A Corporação fez o que devia: Roth venceu um Pulitzer de ficção, dois National Book Awards, dois National Book Critics Circle, três PEN-Faulkner, um Man Booker International Prize, um Príncipe das Astúrias classe de Letras, e mais uma dúzia. Verdade que falhou o Nobel, mas isso só lhe fica bem. Tolstói, Proust, Joyce, Woolf (Virginia) e Nabokov não fazem parte da lista de laureados, e nem por isso deixam de ter a importância que têm.

Uma das duas mulheres com quem esteve casado foi a actriz inglesa Claire Bloom. Viveram juntos a partir de 1976, casaram em 1990, mas o casamento durou apenas quatro anos. Ela foi corrosiva nas memórias que publicou depois do divórcio. Virá daí a má-vontade das feministas contra Roth? Do lado masculino também houve reticências: por exemplo, o crítico Frank Kermode escreveu na New York Review of Books que Roth só conseguia escrever com erecção. Se era assim, aproveitou bem as ocasiões.

Texto publicado anteontem na edição online da revista Sábado. Clique na imagem.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

CORRUPÇÃO NO PP DE RAJOY


Foi hoje proferida em Madrid a sentença do Caso Gürtel, sobre o financiamento ilegal do PP nas comunidades de Madrid e Valência. Francisco Correa Sánchez, 62 anos, apontado como cérebro do esquema de corrupção, foi condenado a 51 anos e 11 meses de prisão efectiva, sem direito a condicional. A mulher foi condenada a 14 anos e 8 meses. Pablo Crespo, 58 anos, mecenas do PP, foi condenado a 37 anos de prisão efectiva. Luis Bárcenas, 60 anos, ex-tesoureiro do PP, foi condenado a 33 anos de prisão efectiva e, cumulativamente, a pagar 44 milhões de euros ao Estado. A mulher foi condenada a 15 anos. Dos 37 acusados, seis foram absolvidos.

Rivera, o líder de Ciudadanos, exige a demissão do Governo e a convocatória de eleições: «Es muy grave que España tenga un Gobierno condenado. Hay un antes y un después de la sentencia.» A ver vamos o que faz Rajoy.

Na imagem, Francisco Correa Sánchez.

CATALUNHA

Por ordem do Tribunal Superior da Catalunha, mais de quinhentos inspectores da Unidade de Crime Económico e Fiscal efectuaram hoje rusgas na Diputación de Barcelona, organismos públicos, instituições de solidariedade social e casas particulares em Barcelona, ​​Tarragona, Girona, Manresa, Olot, Tordera, Cambrils e Reus​, prendendo 29 pessoas acusadas de desviar dez milhões de euros para financiar o referendo de 1 de Outubro do ano passado.

Entre os detidos encontra-se o deputado Francesc Dalmases, do partido Junts por Catalunya, acusado de desviar dinheiro da Agência Catalã de Cooperação para o Desenvolvimento; Salvador Esteve, presidente da Diputación de Barcelona; e Joan Carles García Cañizares, alcaide de Tordera. Dos 29 detidos, catorze ficam em prisão preventiva.

FEIRA DO LIVRO DE LISBOA


Hoje na Sábado, as minhas sugestões para quem for à Feira do Livro de Lisboa. Clique na imagem.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

PHILIP ROTH 1933-2018


Vítima de insuficiência cardíaca congestiva, Philip Roth morreu esta madrugada num hospital de Manhattan. Um dos gigantes da literatura de língua inglesa, e universal, Roth deixa uma obra muito vasta, de que destacaria Goodbye Columbus (1959, contos), Quando Ela Era Boa (1966), O Complexo de Portnoy (1969), O Escritor Fantasma (1979), A Lição de Anatomia (1983), Os Factos. Autobiografia de um Romancista (1988), Engano (1990), Património (1991, memórias), Pastoral Americana (1997), Casei com um Comunista (1998), A Mancha Humana (2000), A Conspiração Contra a América (2004), O Fantasma Sai de Cena (2007), Indignação (2008), Némesis (2010). Mas sobra outro tanto. Tornou-se lendária a personagem de Nathan Zuckerman, alter-ego do autor, sulfuroso retratista da vida americana. Zuckerman é protagonista de nove romances publicados entre 1979 e 2007. Judeu iconoclasta, Roth recebeu todos os prémios que havia para receber: Pulitzer de ficção, National Book Critics Circle Award, duas vezes o National Book Award, três vezes o PEN Faulkner, Man Booker International Prize, Príncipe das Astúrias de Letras, e muitos outros. Além de escritor, foi crítico literário e professor de literatura comparada. Oito dos seus romances foram adaptados ao cinema. Casou duas vezes, uma delas com a actriz Claire Bloom.

Foto: Philip Montgomery, NYT. Clique.

terça-feira, 22 de maio de 2018

JÚLIO POMAR 1926-2018


Com 92 anos, morreu hoje Júlio Pomar, um dos mais importantes artistas plásticos portugueses de sempre. Adversário do Estado Novo, foi preso pela PIDE antes de, em 1963, se radicar em Paris. Pertenceu à terceira geração de modernistas portugueses. Desde 2013 existe em Lisboa o Atelier-Museu Júlio Pomar, com um importante acervo da obra do pintor. À margem da sua actividade de artista plástico, publicou ensaios sobre pintura e dois livros de poesia.

ANDA TUDO DOIDO


Giuseppe Conte, 53 anos, professor de Direito, ideólogo do Movimento 5 Stelle, deve ser o próximo primeiro-ministro de Itália. Mas antes disso convém corrigir o currículo: a Universidade de Nova Iorque garante que ele, ao contrário do que afirma, nunca lá pôs os pés. O International Kultur Institut, de Viena, e a Universidade de Cambridge (UK), também negam a presença do cavalheiro entre os seus alunos.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

ANTÓNIO ARNAUT 1936-2018


Com 82 anos, morreu hoje António Arnaut, advogado, um dos fundadores do PS, actual Presidente honorário do partido. A ele se deve a criação do Serviço Nacional de Saúde, que lançou em 1979, quando era ministro dos Assuntos Sociais no II Governo Constitucional (PS+CDS). Arnaut foi sucessivamente autarca em Penela, dirigente da Ordem dos Advogados, deputado à Constituinte, deputado à Assembleia da República, vogal do Conselho Superior da Magistratura, e Grão-Mestre da Maçonaria entre 2002 e 2005. Fundou e dirigiu a Associação Portuguesa de Escritores Juristas. Publicou oito livros de poesia, quatro romances, dois contos e quinze volumes de ensaio sobre Direito, Saúde Pública, Torga, Pessoa e a Maçonaria. É Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. O Presidente da República promulgou o decreto do Governo que institui um dia de luto nacional. O PS decretou três dias de luto partidário. Do BE ao CDS, todos os partidos com representação parlamentar manifestaram admiração pelo histórico militante socialista.

PÓS-POP AGAIN


Já percebi que muita gente não percebeu. Então vamos lá. A exposição Pós-Pop. Fora do Lugar-Comum, comissariada por Ana Vasconcelos e Patrícia Rosas, junta um excepcional conjunto de artistas portugueses que vale a pena ir ver. É uma exposição importante em qualquer parte. Assim de cor (não comprei o catálogo, caro e de fraca qualidade), lembro-me de Menez, Ruy Leitão — o filho mais velho de Menez, suicidado aos 26 anos, porventura o artista mais representado desta exposição —, Teresa Magalhães, Batarda, Ana Hatherly, Palolo, Clara Menéres, Fernando Calhau, Skapinakis, Paula Rego, Joaquim Bravo, Lourdes Castro, Jorge Martins, Maria José Aguiar, Manuel Baptista, René Bértholo, Fátima Vaz, José de Guimarães, Ana Vieira, Cutileiro, Luisa Correia Pereira e Noronha da Costa. Mas há mais. A quota inglesa inclui, entre outros, Allen Jones, Bernard Cohen, Tom Phillips e Jeremy Moon. Os quadros e esculturas estão na vasta galeria da Gulbenkian. Mas há três cubículos negros, não identificados de modo a perceber-se que são micro-galerias, onde as curadoras juntaram obras relacionadas com o 25 de Abril e a liberdade em geral, a evolução dos costumes (moda) e o sexo. Conheço gente que foi ver a exposição, esteve lá hora e meia, e não deu por esses cubículos. Num deles meteram o Relicário (1969) de Clara Menéres, e também pequenas esculturas de Cutileiro. Essas obras foram colocadas dentro de caixas-armários. E a maior parte das pessoas pensa que elas, as caixas-armários, são obras de arte em si mesmas. São muitos os que, quando abrimos a porta da caixa-armário, ficam espantados. O aviso ABRIR/OPEN é bem visível, mas as pessoas, como são muito inteligentes, pensam que é uma instalação, suspiram, citam Lacan, e preparam-se para aprofundar o tema no próximo jantar de amigos: «Tás a ver, o sintagma preposicional...» / «Diria antes epítome da dimensão material do nó barromeano...» Vi muito disto, sei como é.

Como a fotografia que publiquei ontem não deixa ver com clareza a porta da caixa-armário, publico hoje outra, mais explícita. Clique.

domingo, 20 de maio de 2018

PURITANISMO


Está patente na Gulbenkian a exposição Pós-Pop. Fora do Lugar-Comum, comissariada por Ana Vasconcelos e Patrícia Rosas. Junta ingleses e portugueses como, entre outros, Bernard Cohen, Menez, Tom Phillips, Ruy Leitão (o artista mais representado), Fátima Vaz, Jeremy Moon, Teresa Magalhães, Allen Jones, Clara Menéres, Jorge Martins, Lourdes Castro, José de Guimarães, Paula Rego, Joaquim Bravo, Ana Hatherly, Manuel Baptista, Batarda, Palolo, Skapinakis e Cutileiro. Fica até Setembro. Mas se quiser ver o caralho de Clara Menéres — a artista chamou-lhe Relicário —, falecida dias antes da abertura da exposição, tem de abrir as portadas da caixa onde o relicário (caixinha) foi escondido. O mesmo sucede com as mini-esculturas de Cutileiro. O politicamente correcto chegou à Avenida de Berna.

Clique nas imagens.

sábado, 19 de maio de 2018

O CASAMENTO


É um conto de fadas encenado ao milímetro? Com certeza. Mas, no meio da insânia universal, faz bem testemunhar a felicidade estampada nos rostos de Harry e Meghan. Segui o casamento pela BBC. Mas, depois do almoço, fiz zapping retrospectivo pelos canais portugueses. Uma vergonha. A TVI mandou Judite e Goucha, e os dois, perdidos num jardim de Windsor, multiplicaram-se em frioleiras, sem conseguirem dar uma única informação relevante. Desde quando tiara passou a ser bandolete? A  RTP comentou em off: a voz masculina não foi capaz de identificar Oprah, mas os ‘traços raciais’ não eram de todo estranhos. Já não tive paciência para a SIC. Por que é que se gasta dinheiro com estes directos que não servem para nada?

Clique na imagem.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

WOOLF & GOMES


Hoje na Sábado escrevo sobre Diários de Virginia Woolf (1882-1941). O leitor fará decerto a mesma pergunta: porquê o plural? Porquê Diários...? A exemplo de outros autores, Virginia Woolf podia ter escrito e publicado vários, mas não o fez. Como procede do título original — The Diary of Virginia Woolf —, trata-se de obra única, parcialmente divulgada por Leonard Woolf, em 1953 (ou seja, doze anos depois da morte da mulher), com o título A Writer’s Diary. Para o ler na íntegra, seria preciso esperar por 1984, ano em que Anne Olivier Bell e Andrew McNeillie deram à estampa o quinto volume do diário completo. Em 1985 e 1987, foi a partir dessa edição que Maria José Jorge publicou em dois volumes uma selecção do diário de Virginia Woolf. E é novamente a partir dela que Jorge Vaz de Carvalho publica, em volume único, a presente tradução. Jorge Vaz de Carvalho começa um dia mais cedo. Mas logo no dia seguinte, 2 de Janeiro de 1915, salta quatro linhas: os comentários de Mrs. Le Grys, o conde lambareiro, etc. Fazem aqui falta parêntesis rectos, porque a maioria dos leitores não sabe que, entre «comida frita em manteiga» e «Depois disto» (p. 17), existem frases omissas.  O processo repete-se ao longo do livro. Não vem daí mal ao mundo, o responsável pela edição tem liberdade de escolha, mas, na mesma entrada, as interrupções de discurso têm de estar sinalizadas. Isto dito, é fascinante ler o diário de alguém que esteve na origem do mundo moderno tal como o conhecemos. Com efeito, Virginia Woolf, os irmãos e os amigos, mais os amantes de todos eles, deram, a partir de Bloomsbury, uma guinada nos costumes vitorianos. Como disse um dia Petra Kipphoff, tudo era permitido, excepto a estupidez, a falta de estilo e de graciosidade. Por estas páginas passa gente tão decisiva como T. S. Eliot, John Maynard Keynes, Bertrand Russell, E. M. Forster, Katherine Mansfield, Aldous Huxley e dezenas de outros (cito apenas um punhado de nomes incontornáveis), embora alguns dos episódios mais interessantes sejam de terceiros. Lamenta-se a ausência de índice onomástico. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Escrevo ainda sobre Florinhas de Soror Nada, o romance mais recente de Luísa Costa Gomes (n. 1954). Uma autora com os seus recursos narrativos, salta com facilidade entre géneros literários. Não admira que no conto, como no romance e no teatro, a fasquia tenha estado sempre lá em cima. Este mantém a bitola. Num autor menos apetrechado, a história de Teresa Maria, a criança que queria ser santa à maneira da outra, a de Ávila, até ao dia em que faz apostasia, tenderia a roçar o kitsch. Mas a autora controla o discurso com sageza: «Mencionando a natureza demoníaca da mulher […] chegou o padre depois de muitos rodeios à questão vexante.» Sexo, naturalmente. Teresa Maria é o ponto de partida da efabulação. Como quem não quer a coisa, o romance ilustra o regime de beatério em que sucessivas gerações de portugueses foram educados. Que isso seja feito com desenvoltura, ironia («A Madre Superiora ainda não morrera e já trazia a múmia de Santa Catarina em projecto na face») e distância crítica, é factor de mérito acrescido. Isso, e os episódios pícaros que pontuaram as vidas da Legenda Áurea. Quatro estrelas. Publicou a Dom Quixote.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

UM AMERICANO EM PARIS


Fui hoje ver, em cinema, a versão para teatro que Christopher Wheeldon fez de Um Americano em Paris. O espectáculo transmitido foi o que esteve em cena no Dominion Theatre, de Londres. Duas horas e meia de arrebatamento. Magia pura. Robert Fairchild (como Jerry Mulligan), do New York City Ballet, e Leanne Cope (como Lise Dassin), do British Royal Ballet, encabeçam um elenco de cantores e bailarinos excepcionais. Por incrível que pareça, Fairchild faz esquecer Gene Kelly. E nunca a música de Gershwin me pareceu tão esplendorosa. É óbvio que espectáculos com este nível de perfeição nos impedem de transigir com a mediocridade aperaltada.

Na imagem, Robert Fairchild e Leanne Cope. Clique

terça-feira, 15 de maio de 2018

TOM WOLFE 1930-2018


Morreu ontem Tom Wolfe, o escritor e jornalista americano que nos anos 1960 inventou o conceito de New Journalism. Autor de quatro romances, vinte colectâneas de ensaios e dezenas de artigos publicados nos últimos 60 anos, Wolfe foi, depois de Gore Vidal, o crítico mais mordaz da realidade americana. Radical Chic, um termo que é hoje património da língua inglesa, foi um dos muitos que grafou. A Fogueira das Vaidades (1987), um dos seus livros traduzidos em Portugal, foi levado ao cinema em 1990 por Brian De Palma. Wolfe tinha 88 anos e estava internado num hospital de Manhattan. A notícia da sua morte só hoje foi divulgada.

Clique na imagem.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

NETTA & SOBRAL


Vi algumas passagens das semi-finais do festival da Eurovisão e o que vi era agitprop LGBT+ sem disfarce. Nada contra, pelo contrário.

Hoje, o embaixador de Israel em Lisboa confirmou o meu juízo: «Será uma grande celebração, uma grande festa para a comunidade LGBT e será uma outra oportunidade para a comunidade LGBT receber e celebrar com gays de toda a Europa, e nós damos as boas-vindas a todos na Gay Parade, do próximo mês e na Eurovisão do próximo ano

Terá sido isso que incomodou o rapaz Sobral? O vencedor do ano passado considerou a canção vencedora uma merda, e está no seu direito de achar isso mais um par de botas, mas não havia necessidade.

Na imagem, a vencedora Netta Barzilai. Clique.

TORRA, O XENÓFOBO


O grupo socialista do Parlamento Europeu lamenta que um xenófobo como Quim Torra tenha sido eleito Presidente da Generalitat: «Os seus comentários racistas são absolutamente repugnantes e lançam dúvidas sobre a sua aptidão para assumir o cargo

Deputado eleito nas listas de Junts per Catalunya, Quim Torra, 55 anos, foi hoje eleito President por 66 votos contra 65. Católico ultramontano, supremacista, direitista, assume o cargo ‘em nome de Puigdemont’. No mais inocente dos seus tuítes, a criatura escreve: «Os espanhóis não são pessoas

A eleição ocorreu cinco meses após as eleições catalãs.

Clique na imagem.