Hoje na Sábado escrevo sobre Paraíso, de Tatiana Salem Levy (n. 1979), brasileira nascida em Lisboa porque era aqui que os pais viviam, fugidos à ditadura militar. Anda cá e lá. Escreveu um ensaio sobre Blanchot, Foucault e Deleuze, contos, dois livros infantis e três romances. O mais recente, Paraíso, chegou agora às livrarias portuguesas. Se é verdade que a primeira frase marca um romance, Tatiana faz jus ao clichê: «O dia estava nascendo quando Ana ouviu do homem ao seu lado tenho Aids.» Para o leitor preguiçoso que tropeça no pós-Garrett, traduzo: Ana, a protagonista, descobre ao acordar que o parceiro tem Sida. Está dado o tom. Paraíso é um patchwork de memórias construídas, um exercício de mnemónica que recua aos barões do café (e, por consequência, ao arbítrio do esclavagismo), mas também aos judeus que a Inquisição perseguiu, como aconteceu com os avós da autora. Romance identitário, portanto. Paraíso é um bom exemplo da ruptura semântica que a partir dos anos 1960 “libertou” a literatura brasileira da tradição portuguesa (isso não aconteceu em 1922, como pretendeu Oswald de Andrade). Vamos ter de seguir Tatiana Salem Levy. Três estrelas. Publicou a Tinta da China.
quinta-feira, 19 de maio de 2016
CABALA
Não é de agora. Sempre os estrangeirados foram olhados de soslaio pelo establishment nacional. Tiago Brandão Rodrigues é o alvo mais recente. Oriundo do Cancer Research da Universidade de Cambridge, o ministro da Educação tem contra ele o poderoso lobby católico que sustenta os colégios ‘privados’ que comem à mesa do Orçamento de Estado. Para fazer o trabalho sujo aparece sempre alguém.
Desta vez foi um docente da Universidade de Coimbra a acusar Tiago Brandão Rodrigues de ‘burla’ — uso indevido de dinheiros da FCT —, em 2001, durante a primeira fase do um projecto de investigação. Sucede que Tiago Brandão Rodrigues foi para a Universidade do Texas, desligando-se do projecto inicial, e devolveu à FCT o montante da bolsa que lhe fora atribuída. A FCT já desmentiu a cabala («Nunca existiu sobreposição entre a bolsa de doutoramento atribuída pela FCT e qualquer outra bolsa»), tendo facultado cópia do cheque de 2002 que prova a devolução do dinheiro. O ministro vai processar a criatura que fez a denúncia.
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Eduardo Pitta
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11:11
O RODAPÉ
Quem assistiu ontem em directo à audição de Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI, na comissão parlamentar de inquérito ao Banif, ficou com a sensação de que o banco foi ao ar por causa do rodapé que esteve no ar durante dezassete minutos na noite de domingo, 13 de Dezembro de 2015. A avaliar pelas reacções de alguns deputados, a culpa foi do rodapé que esteve em linha entre as 22:49 e as 23:06 dessa noite. Sem ele, o Banif estaria aí, sólido como uma rocha, desafiando os potentados da City e de Wall Street. Todos sabemos como a história acabou.
Verdade que o rodapé dizia uma coisa às 22:49 e outra às 23:06. Na 1.ª versão, nenhum depósito, qualquer que fosse o seu montante, estava assegurado, mas isso foi corrigido no espaço de um quarto de hora. A notícia provou ser factual. Sem disfarçar o enfado (e a irritação que o levou a tratar João Almeida, do CDS, por Você), Sérgio Figueiredo esteve quatro horas a repetir as mesmas coisas: as fontes eram credíveis, a informação foi validada, o desfecho confirmou tudo. Eu não tenho que avaliar a oportunidade das notícias. Não sou governante, nem regulador, nem banqueiro. Sou director de informação. A Direita não gostou nada de o ouvir pôr em causa o modus operandi de Maria Luís Albuquerque.
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09:00
quarta-feira, 18 de maio de 2016
HORROR
Acompanhar o que se passa na Venezuela é um pesadelo. Já não se trata de liberdades e garantias, autoritarismo bolivariano ou mesmo inflação: a cada dia que passa, o preço da alimentação, escassíssima, triplica o preço. Não. Estamos a falar de água, electricidade, sabão, medicamentos rudimentares. Bebés prematuros que morrem (vários por dia) porque os apagões desligam as incubadoras. Adultos que morrem por falta do mais prosaico dos antibióticos. Cirurgias onde falta água para lavar o sangue. Cirurgiões sem sabão para lavar as mãos. É o horror na sua forma mais exacta.
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09:00
terça-feira, 17 de maio de 2016
BANDEIRA LGBT NA CÂMARA DE LISBOA
Hoje, por ser Dia Internacional contra a Homofobia e Transfobia, a Câmara Municipal de Lisboa hasteou a Bandeira LGBT. A iniciativa partiu do movimento Cidadãos por Lisboa, que tem dois vereadores no executivo liderado por Fernando Medina. Clique na imagem.
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15:30
segunda-feira, 16 de maio de 2016
CURIOSIDADE
Tenho evitado falar do Governo Temer. Estou razoavelmente informado da situação no Brasil, vista do lado das classes médias tradicionais (as profissões liberais clássicas, docentes universitários, escritores, intelectuais), mas o meu conhecimento dos bastidores do milieu político é reduzido. Escrevo hoje porque todos os dias leio dezenas de textos — na imprensa, Facebook, blogues — a invectivarem a falta de qualidade dos novos ministros, a ausência de mulheres e negros, etc. Eu não teria tanta certeza sobre não haver negros, mas isso agora não interessa. Visto à distância, o actual Governo brasileiro parece mau de facto e de jure. É evidente que ter o ministério da Ciência tutelado por um pastor da IURD não lembrava ao Diabo. A questão que gostaria de colocar é a seguinte: alguém é capaz de nomear três ministros de Dilma com currículo profissional e perfil pessoal que os habilitassem a integrar um Governo europeu civilizado? Não estou a defender o golpe constitucional que afastou Dilma. Estou só curioso de conhecer a opinião das pessoas que, pelos vistos, são tu-cá-tu-lá com os ministros cessantes.
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09:30
sexta-feira, 13 de maio de 2016
TAMBÉM TU, AXIMAGE?
A sondagem da Aximage, para o Correio da Manhã e o Negócios, divulgada esta tarde, ainda enfatiza mais a subida da Esquerda: 54,8%. Aqui, o PS está 6,2% à frente do PSD. Mesmo somando PSD e CDS (36,3%), o PS vence.
A imagem é do Negócios. Clique para ver melhor.
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18:00
EUROSONDAGEM EXPRESSO & SIC
Maioria de Esquerda = 52,8%. Subiu 0,5% relativamente a Abril. PSD e CDS desceram. Em matéria de popularidade, António Costa sobe: tem agora 43,5% de avaliação positiva. Mas Marcelo continua a liderar, com 68,4% de avaliação positiva. Clique na imagem para ler melhor.
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12:12
FEITO
O diploma do BE sobre ‘gestação de substituição’, vulgo barrigas de aluguer, foi aprovado com os votos do PS, BE, PEV, PAN e 24 deputados do PSD, um dos quais foi Passos Coelho. O PCP e o CDS votaram contra.
As alterações à Lei da Procriação Medicamente Assistida foram igualmente aprovadas com os votos do PS, BE, PCP, PEV, PAN e 16 deputados do PSD. O CDS votou contra e houve 3 abstenções no PSD. A nova redacção da lei vem permitir o recurso a técnicas de fertilização a mulheres sozinhas, bem como a mulheres casadas ou em união de facto com outra mulher. Até aqui, só os casais heterossexuais tinham direito a PMA.
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12:06
DIREITO DE ESCOLHA
Segundo a VISÃO, «a mãe de uma criança de 13 anos com necessidades educativas especiais terá sido aconselhada a procurar uma escola pública...» quando tentou inscrever o filho no Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas, «um estabelecimento de ensino privado situado no concelho de Santa Maria da Feira que mantém um contrato de associação com o Estado no valor de quase seis milhões de euros anuais relativos a 74 turmas.» Comentários para quê?
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10:30
quinta-feira, 12 de maio de 2016
RABINDRANATH TAGORE
Hoje na Sábado escrevo sobre A Asa e a Luz, de Rabindranath Tagore (1861-1941), um nome familiar aos leitores do Ocidente, embora a cultura bengali não sobreviva sob o holofote mediático. Tendo visitado a Inglaterra na adolescência, ainda no tempo da rainha Vitória, Tagore desde cedo desenvolveu contactos e amizades com várias das personalidades que marcaram o século XX: Gandhi, Einstein, Yeats e Gide são alguns exemplos. Essa circunstância talvez explique o espectro de interesses que a obra reflecte. Dito de outro modo, foi um intelectual comprometido com o seu tempo. Isso é mais visível na literatura e na música (a título de curiosidade, refira-se que Tagore é o autor dos hinos nacionais da Índia e do Bangladesh), mas estende-se a outras áreas da criação artística. Neste volume, coligem-se aforismos de duas obras: Stray Birds (1916) e Fireflies (1928), inéditas em Portugal. Poemas muito breves que podemos ler como haikus: «O mundo sabe que o pouco / é mais do que o muito.» A tradução foi feita a partir das edições de língua inglesa organizadas pelo próprio autor. Três estrelas.
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20:00
DILMA AFASTADA
Aconteceu. 55 senadores votaram a favor do impeachment. O último acto de Dilma como Presidente foi exonerar Lula e os membros do seu Governo. A imagem é do Estadão. Clique.
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12:36
FESTIVAL LITERÁRIO DA GARDUNHA
Depois de nos últimos doze meses ter recusado todos os convites, estarei presente no Festival Literário da Gardunha, que se realiza no Fundão nos próximos dias 21 e 22. Comigo estarão, entre outros, Ana Margarida de Carvalho, Cesar Antonio Molina, Clara Ferreira Alves, Cristina Carvalho, Dulce Maria Cardoso, Fernando Dacosta, Fernando Echevarría, Gonçalo M. Tavares, Helena Buescu, José Viale Moutinho, Julieta Monginho, Manuel da Silva Ramos, Marcello Duarte Mathias, Manuel Gusmão, Mário Zambujal, Paula Morão, Pedro Mexia e Tiago Salazar. Margarida Gil dos Reis é a alma do Festival. Camané e Mário Laginha também vão estar.
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11:00
ATÉ TU, ITÁLIA!
Por 372 votos a favor, 51 contra e 99 abstencões, o Parlamento italiano aprovou ontem a lei das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. As ‘uniões civis’ são casamentos que não se chamam casamentos: o acto é formalizado no Registo Civil e tem associados todos os direitos do casamento. Só não tem o nome. (Era o que a Direita portuguesa queria. A Direita e alguma Esquerda.) A Itália segue o modelo vigente na Alemanha. Matteo Renzi declarou: «As leis são feitas para pessoas, não para ideologias. Hoje é um dia feliz para todos.»
Neste momento, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal nos seguintes países: África do Sul, Argentina, Bélgica, Brasil, Canadá, Colômbia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos (em todos os Estados), Finlândia, França, Gronelândia, Holanda, Islândia, Irlanda, Luxemburgo, Malta, México, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Reino Unido (inclui Escócia e País de Gales), Suécia e Uruguai.
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09:00
quarta-feira, 11 de maio de 2016
DIREITOS HUMANOS
O estudo é da ILGA-EUROPA e abrange 49 países. Malta foi uma revelação. Um exemplo que distingue Malta de Portugal: em Malta, o reconhecimento legal da identidade transexual exclui parecer médico. É mesmo proibido. Pelo contrário, em Portugal exige-se um diagnóstico de disforia de género para os documentos de identificação registarem o [novo] sexo. O estudo assinala que 34% dos portugueses considera ‘errada’ a prática de actos sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Em Malta, só 24% da população tem esse preconceito.
Infografia do Público. Clique para ler melhor.
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11:00
terça-feira, 10 de maio de 2016
ESCOLHAS?
A fronda das associações de ensino privado contra o Governo atingiu o paroxismo com o espectáculo ridículo das cem mil cartas, metade entregues em São Bento, a outra metade em Belém. Cereja em cima do bolo, as declarações do cardeal-patriarca de Lisboa. Afirmou o prelado que o Estado deve respeitar o «justo financiamento» das escolas particulares e «as escolhas» dos pais. É uma vergonha que numa República laica e num país onde muitas escolas públicas estão em risco de ruína (sirva de exemplo, entre todos, o Liceu Camões, em Lisboa), o Estado gaste um cêntimo a subsidiar escolhas desta natureza.
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10:00
AKRASIA
Parece anedota mas não é. Waldir Maranhão, presidente interino da Câmara de Deputados, revogou o seu próprio despacho. Ontem de manhã anulou a votação do impeachment, mas, à noite, vendo que o Senado iria dar continuidade ao processo, revogou a decisão.
Com horas de intervalo, tudo mudou duas vezes. Como previsto, a votação do impeachment de Dilma, acusada de crime de responsabilidade, terá lugar amanhã, quarta-feira, no Senado.
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08:00
segunda-feira, 9 de maio de 2016
BAGUNÇADA
Renan Calheiros, presidente do Senado, comunicou ao Plenário de senadores que decidiu dar continuidade à tramitação do impeachment de Dilma. Dito de outro modo: fez tábua rasa do despacho de Waldir Maranhão, presidente interino da Câmara de Deputados. A coisa promete.
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22:30
REVIRAVOLTA EM BRASÍLIA
Waldir Maranhão, presidente interino da Câmara de Deputados do Brasil, anulou a votação do impeachment de Dilma.
Lembrar que Eduardo Cunha foi há dias suspenso da presidência da Câmara por acórdão do Supremo Tribunal Federal. O processo volta à estaca zero: os deputados federais têm de voltar a analisar o pedido de impeachment.
Argumento de Waldir Maranhão — «Não poderiam os senhores parlamentares antes da conclusão da votação terem anunciado publicamente seus votos, na medida em que isso caracteriza prejulgamento e clara ofensa ao amplo direito de defesa que está consagrado na Constituição. Do mesmo modo, não poderia a defesa da senhora Presidente da República ter deixado de falar por último no momento da votação, como acabou ocorrendo.»
Lembrar que Eduardo Cunha foi há dias suspenso da presidência da Câmara por acórdão do Supremo Tribunal Federal. O processo volta à estaca zero: os deputados federais têm de voltar a analisar o pedido de impeachment.
Argumento de Waldir Maranhão — «Não poderiam os senhores parlamentares antes da conclusão da votação terem anunciado publicamente seus votos, na medida em que isso caracteriza prejulgamento e clara ofensa ao amplo direito de defesa que está consagrado na Constituição. Do mesmo modo, não poderia a defesa da senhora Presidente da República ter deixado de falar por último no momento da votação, como acabou ocorrendo.»
O Senado terá de devolver o processo à Câmara de Deputados.
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16:30
ESTADO VS PRIVADOS
A partir do próximo ano lectivo, o ministério da Educação não vai autorizar novos contratos de associação para turmas em início de ciclo (5.º, 7.º e 10.º anos escolares) em áreas onde já existem escolas públicas. Ler com atenção: turmas em início de ciclo. Dito de outro modo: quem começou, acaba.
A este propósito (as novas regras que vão pautar os contratos de associação entre o Estado e os estabelecimentos de ensino privado), Passos Coelho afirmou ter dúvidas sobre se Tiago Brandão Rodrigues seria mesmo ministro da Educação. A tese não é original: Helena Matos tem repetido que o ministro ‘de facto’ é o patrão da Fenprof. Mas Helena Matos é comentadora, não é deputada nem líder do maior partido da Oposição. Pode dizer o que lhe vier à cabeça que é para isso que lhe pagam. Passos Coelho está obrigado a outra compostura.
Ontem mesmo, o Governo exigiu explicações ao líder do PSD. Tudo isto é deplorável. A mim sempre fez muita confusão o Estado financiar o ensino privado. Mais: como contribuinte, sinto-me directamente lesado.
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Eduardo Pitta
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09:30
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