Hoje na Sábado escrevo sobre Paraíso, de Tatiana Salem Levy (n. 1979), brasileira nascida em Lisboa porque era aqui que os pais viviam, fugidos à ditadura militar. Anda cá e lá. Escreveu um ensaio sobre Blanchot, Foucault e Deleuze, contos, dois livros infantis e três romances. O mais recente, Paraíso, chegou agora às livrarias portuguesas. Se é verdade que a primeira frase marca um romance, Tatiana faz jus ao clichê: «O dia estava nascendo quando Ana ouviu do homem ao seu lado tenho Aids.» Para o leitor preguiçoso que tropeça no pós-Garrett, traduzo: Ana, a protagonista, descobre ao acordar que o parceiro tem Sida. Está dado o tom. Paraíso é um patchwork de memórias construídas, um exercício de mnemónica que recua aos barões do café (e, por consequência, ao arbítrio do esclavagismo), mas também aos judeus que a Inquisição perseguiu, como aconteceu com os avós da autora. Romance identitário, portanto. Paraíso é um bom exemplo da ruptura semântica que a partir dos anos 1960 “libertou” a literatura brasileira da tradição portuguesa (isso não aconteceu em 1922, como pretendeu Oswald de Andrade). Vamos ter de seguir Tatiana Salem Levy. Três estrelas. Publicou a Tinta da China.