quinta-feira, 8 de julho de 2021

CARDOSO PIRES BIOGRAFADO


Hoje na Sábado

Chegou finalmente às livrarias a tão aguardada biografia de José Cardoso Pires (1925-1998), nome maior da ficção portuguesa. Bruno Vieira Amaral, o biógrafo, escolheu um título certeiro — Integrado Marginal. Ao contrário de muitos dos seus pares, Cardoso Pires foi uma personalidade de certo modo “secreta”, razão acrescida para o interesse suscitado pelo livro de Amaral.

Sem perder de vista a vida cultural e política do país ao longo de seis décadas, bem como a boémia tão do agrado de Cardoso Pires, o biógrafo ilustra as origens rurais do biografado, o estertor da Primeira República, o tédio precoce pelo quotidiano pequeno-burguês, as primícias literárias, as amizades com Pomar, Castro Soromenho, Luiz Pacheco e outros, a iniciação sexual das «matinées-segóvia», uma viagem a África como tripulante de navio (curiosos os flashes da sua estadia em Lourenço Marques em 1945), o MUD Juvenil, a passagem pelo PCP, a “tutoria” de Mário Dionísio, o primeiro livro em 1949, os anos em que foi guia-intérprete da TAP, experiências como editor, a revista Eva, a cumplicidade com Maria Lamas, atritos com a crítica, apreensão pela PIDE do segundo livro, a morte do irmão, o casamento com Edite («o rochedo da família»), as filhas, desilusão com o Movimento Para a Paz, os retiros na Caparica, a parceria com Figueiredo Magalhães, a consolidação da obra — a partir de O Anjo Ancorado, de 1958 —, o Golpe da Sé, a direcção do Almanaque, o crime da praia do Guincho (móbil de Balada da Praia dos Cães), a fuga para Londres em 1960, a temporada brasileira, o congresso em Itália da Comunità Europea Degli Scrittori, o prémio para O Hóspede de Job, a extinção da SPE, a publicidade, consagração com O Delfim (1968), leitor e depois escritor residente no King’s College de Londres, o Diário de Lisboa, passagem pela Câmara de Lisboa, a ida ao Camboja, o Prémio da União Latina e o Grande Prémio da APE, o reconhecimento institucional, o apagão cerebral de 1995 e um De Profundis por antecipação.

Bruno Vieira Amaral calibra bem a vasta informação de que dispõe, analisa com argúcia a obra de Cardoso Pires e abstém-se de especulações laterais. Apenas lamento a ausência de uma bibliografia activa do biografado. No mais, Integrado Marginal cumpre com brio o protocolo do género.

Publicou a Contraponto. Clique na imagem.