domingo, 25 de outubro de 2020

AGUSTINA POR MÓNICA BALDAQUE


Agustina Bessa-Luís apareceu em público pela última vez no início de 2007, pouco tempo depois de ter publicado o livro com que fechou a obra. A partir daí sucedeu-se a especulação. Quatro meses antes de morrer, em Junho de 2019, chegara às livrarias uma biografia escrita por Isabel Rio Novo, feita à revelia da família. Agora foi a vez da filha, a pintora e escritora Monica Baldaque, publicar as memórias do seu convívio com os pais.

Sapatos de Corda — Agustina é um relato desempoeirado da vida da escritora: a família, o Douro, os livros, os anos de Esposende, a casa do Gólgota, os Verões em Guéthary, a gestão parcimoniosa das amizades, a desconfiança do milieu literário, a natural coqueteria, o enfado com o paroquialismo indígena, a política, as viagens, os filmes de Manoel de Oliveira, o apoio do marido. Excertos de cartas escritas por Agustina à mãe e à filha iluminam o texto. O mesmo se diga da vasta iconografia: fotografias de várias épocas, reproduções, desenhos de Alberto Luís e Mónica Baldaque.

Em matéria de revelações, sirva de exemplo a história do Jaguar: Agustina, que não dava importância nenhuma a automóveis, pediu um Jaguar a Cupertino de Miranda a título de direitos de autor pela biografia encomendada pelo banqueiro. O Jaguar, cinza com estofos vermelhos, seria mais tarde vendido a um militar de Abril.

Há mais, naturalmente. Até porque Mónica Baldaque não omite o seu próprio percurso: infância, relações com os pais, colégio, anos de Lisboa — onde concluiu o curso de pintura na Escola Superior de Belas-Artes —, namoricos, vida profissional, casamento, filhos, direcção de dois museus (Soares dos Reis, Literatura), artistas e escritores com quem privou, acompanhamento da reedição da obra de Agustina, etc. O episódio envolvendo um improvável Corto Maltese é uma das várias passagens enigmáticas do livro.

Enquanto não chega a biografia de Agustina escrita pelo historiador Rui Ramos, Sapatos de Corda — Agustina é o melhor que li até hoje sobre a Sibila. Nessa medida, se Barthes falou no prazer do texto, seria fútil repetir o óbvio.

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