terça-feira, 8 de outubro de 2019

IDENTIDADES


Todos sabemos que a extrema-direita não gosta de políticas de género nem reconhece a natureza das identidades étnicas e sexuais.

Surpresa foi descobrir que pessoas sensatas desatinaram com o facto de ter escrito que, 45 anos após o 25 de Abril, o Parlamento terá pela 1.ª vez quem defenda os interesses específicos da comunidade negra residente em Portugal.

Joacine Katar Moreira, Beatriz Gomes Dias e Romualda Fernandes, eleitas, respectivamente, nas listas do LIVRE, do BE e do PS, são mulheres negras. A primeira fez campanha nessa qualidade. As outras passaram relativamente despercebidas, embora Romualda Fernandes, do PS, tenha divulgado a mensagem recebida de uma amiga:

«A partir de agora nós, mulheres negras, cada vez que olharmos para a escadaria da Assembleia da República não nos iremos ver apenas com baldes e esfregonas para limpar: estamos lá dentro, temos voz e podemos sonhar

A eleição destas três mulheres permite mudar o paradigma da representação parlamentar. Assim estejam à altura do que se espera delas.

Verdade que, nos últimos 44 anos, passaram pela AR alguns deputados negros. Mas nunca vimos nenhum preocupado com os vários tipos de discriminação (sobretudo no emprego e na habitação) e os problemas específicos da comunidade que deviam representar.

Portanto não se trata de terem passado por São Bento o deputado A ou o deputado B. Anteontem tratou-se de eleger pessoas que têm o compromisso de lutar por causas concretas.

O mesmo se diga de homossexuais e lésbicas. Interessa pouco saber se há 10 ou 20 deputados/as gays... se uns e outras continuarem, como continuam, no armário.

Em 2009, Miguel Vale de Almeida foi eleito deputado nas listas do PS e, no Parlamento, lutou pela legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, pela possibilidade de casais gays adoptarem crianças, por políticas de identidade de género, etc. Em 2015, Alexandre Quintanilha foi eleito deputado nas listas do PS sem fazer segredo do facto de ser casado com o escritor Richard Zimler. Em 2017, Graça Fonseca, actual ministra da Cultura, assumiu publicamente ser gay quando já era secretária de Estado. Em 2018, Adolfo Mesquita Nunes, então vice-presidente do CDS, assumiu publicamente a sua homossexualidade. Nenhuma destas personalidades precisa de fazer proselitismo. Mas o gesto que os une tem simbolismo e eficácia pedagógica.

Portanto, nunca como hoje foi tão importante a afirmação de identidade. Não estamos a falar de moda, mas do nosso quotidiano.

Na imagem, da esquerda para a direita, Joacine Katar Moreira, Beatriz Gomes Dias e Romualda Fernandes. Clique.