quinta-feira, 12 de setembro de 2019

ROONEY & McGREGOR


Hoje na Sábado escrevo sobre Pessoas Normais, da irlandesa Sally Rooney (n. 1991), autora de dois romances finalistas de prémios de prestígio. Além desses, tem publicado contos em revistas, entre elas a New Yorker e a Granta. Também publicou poesia em The Stinging Fly, uma revista de Dublin de que é editora. Aos 28 anos, a recepção crítica tem sido unânime dos dois lados do Atlântico: Ms Rooney é a grande revelação dos últimos anos. Pessoas Normais, cuja acção decorre entre 2011 e 2015, ou seja, durante o colapso da economia irlandesa, é a história de como, a partir da cidadezinha de Carricklea (nome fictício de Castlebar, cidade natal da autora), Connell e Marianne fazem a sua educação sentimental. Connell é o típico aluno bem-sucedido, jogador de futebol «com uma postura muito boa», oriundo da working class, e Marianne a rapariga que lê Proust na cantina da escola e tem de lidar com as idiossincrasias da mãe, uma advogada neurótica e viúva. A mãe dele trabalha como empregada em casa da mãe dela, e a relação aprofunda-se quando ele começa a ir buscar a mãe a casa de Marianne. Mas o gap social é um óbice que a mudança para o Trinity College, de Dublin, acentua. Nunca como então as clivagens foram tão nítidas. Connell nunca quis saber quem era o pai. Educado pela mãe no respeito pelos valores da solidariedade, interessava-se pela causa palestiniana e era capaz de dizer que «um pouco mais de comunismo não fazia mal nenhum a este país». Estamos na Irlanda da recessão, em plena crise das dívidas soberanas, no auge da turbulência austeritária, com o Fine Gael e o Sinn Féin representados no Parlamento. E nem por isso Marianne deixou de ter um affaire com o filho de um dos responsáveis pelo descalabro financeiro. Com muito sexo à mistura, é de tudo isto que o romance trata. Sem grande ênfase, Sally Rooney faz o retrato da geração que chegou à idade adulta no pior momento que a Irlanda atravessou no século XXI. Quatro estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Escrevo ainda sobre Até os Cães, do britânico Jon McGregor (n. 1976), romance que em 2010 venceu o International Dublin Literary Award. Não é frequente colocar fantasmas como personagens de romance, mas está longe de ser novidade. Quem tenha lido Incidente em Antares (1971), do brasileiro Érico Verissimo, identifica o déjà vu nas primeiras páginas do livro. McGregor tornou-se conhecido dos leitores portugueses com Reservatório 13. Noutro registo, Até os Cães é realismo urbano em versão ghost. Os fantasmas são antigos amigos de Robert Radcliffe, encontrado morto algures nas Midlands: «Não nos veem, à medida que nos amontoamos e abrimos caminho entre eles. É claro que não. E nem podiam. Mas já estamos habituados a isso.» Quem não os pode ver são os polícias que arrombam a porta. Marginais em vida (alcoólicos, drogados, sem abrigo), une-os a proximidade com o falecido. Há também a filha Laura, compinchas da tropa, etc. Todos passam em revista a vida de Robert. A escrita é escorreita mas não exaltante. Duas estrelas. Publicou a Elsinore.