Hoje na Sábado escrevo sobre Tu Não És Como as Outras Mães, da alemã Angelika Schrobsdorff (1927-2016), autora inédita no nosso país que além de escritora foi actriz. Oriunda da alta burguesia de Berlim, tornou-se famosa pelo tom ‘promíscuo’ do primeiro romance, Die Herren, publicado em 1961. Mas seria preciso esperar trinta anos para dar à estampa a sua obra-prima, Tu Não És Como as Outras Mães. Trata-se da biografia da mãe, Else Kirschner, mulher inconformista muito à frente do seu tempo, alguém que por norma contrariava as convenções da boa sociedade. Pior: uma judia que desdenhava as tradições da cultura judaica. O destino da avó (morta no campo de Theresienstadt) marcará o espírito de Angelika. Por isso, o livro não perde de vista o horror da Solução Final. A partir dos anos 1910, a narrativa precede, acompanha e ultrapassa o período negro do III Reich, ora em Berlim, ora em Sófia. Else é judia, mas tem dinheiro suficiente para ter também muitos amigos e toda a sorte de recursos. Vista de Dahlem, o bairro mais exclusivo de Berlim, a realidade era outra. Em Else, a ‘excentricidade’ tinha a função de ademane. Fritz Schwiefert, o primeiro marido, iniciou-a nos jogos eróticos. O mundo desaba à volta deles, mas o frívolo círculo de Else procede como se nada acontecesse. Nenhum pormenor escapa à grande angular da autora. Else tem 20 anos quando começa a Primeira Guerra Mundial, mas a família passa incólume. Na qualidade de narradora autodiegética, Angelika intromete-se com frequência na narrativa. Inseridas a contraciclo, as recordações da baronesa Eugenie von Liebig são um bom exemplo. As questões identitárias (o que é ser judeu?) são parte importante da narrativa: «À Palestina não devo nada, e o sionismo é um mau plágio de todas as aspirações do nosso tempo. O que ganharíamos se fôssemos um povo?» — o desabafo consta de uma carta escrita a partir de Portugal. Na companhia da mãe, Angelika Schrobsdorff viveu na Bulgária durante a Segunda Guerra Mundial, e foi casada com o cineasta francês Claude Lanzmann, autor do mítico documentário Shoah (1985). Ambos viveram em Israel durante 25 anos. Quatro estrelas. Publicou a Alfaguara.