Hoje na Sábado escrevo sobre Poesia, volume de quase oitocentas páginas que colige a obra poética de Mário Cesariny (1923-2006). Coube a Perfecto E. Cuadrado o árduo trabalho de edição, conhecendo-se, como os leitores conheciam, as constantes rearrumações de poemas, mudanças de títulos e outros acertos caros aos poetas. Por exemplo, ficaram de fora, entre outros, Titânia (1953) e Um Auto para Jerusalém (1964), obras que terão edição autónoma. Num extenso prefácio, Cuadrado sublinha quanto «a sua obra poética é uma das mais ricas e complexas aportações para a história da poesia portuguesa contemporânea», que o mesmo é dizer, a súmula perfeita dos vários modos que o século XX fixou, sem esquecer o realismo ainda audível em Nobilíssima Visão, publicado em 1959, porém escrito entre 1945 e 46. Vigiado pela polícia do Estado Novo nos anos 1950 (a condição homossexual era tipificada como vagabundagem), avesso a toda a sorte de maneirismos, Cesariny foi sempre um outsider — «Sou um homem / um poeta / uma máquina de passar vidro colorido» —, alguém que teve de esperar pelos 82 anos para receber o seu primeiro e único prémio literário, meses antes de morrer, não tendo publicado nenhum livro desde O Virgem Negra, de 1989: «O Álvaro gosta muito de levar no cu / O Alberto nem por isso / O Ricardo dá-lhe mais para ir / O Fernando emociona-se e não consegue acabar.» Ou seja, Fernando Pessoa explicado às criancinhas. As várias secções de Pena Capital (1957) reúnem alguns dos poemas-fétiche do autor, tais como You Are Welcome to Elsinore, De Profundis Amamus, Autografia I, Outra Coisa, Being Beauteous e Exquisite Poem. Poemas da fase londrina que são hoje património da língua. Por não caber nas baias do surrealismo, Cesariny desmontou-o com alto grau de corrosão: «Este passo encontrado que nos guia entre as mesas / este chegar tão tarde às pontes levadiças / para uma exposição de rosas no nevoeiro / este eterno trabalho de dadores de sangue / é o que mais nos defende do massacre». O volume inclui a bibliografia do autor, cronologia biográfica e notas aos poemas. Cinco estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.