sábado, 7 de maio de 2016

MOÇAMBIQUE, ALIÁS MOZAMBIQUE


A propósito da sucessão de disparates que se têm escrito sobre Moçambique, vou alinhavar duas ou três coisas que ajudem a perceber a ignorância nacional. Ao contrário de Angola, que fica relativamente perto, Moçambique fica do outro lado do mundo. Em Março de 1961, na sequência do massacre da UPA, Salazar fixou a legenda: Angola é nossa. Em Julho de 1975 teve início a famosa ponte aérea que durante cem dias trouxe para Portugal meio milhão de pessoas. E em Setembro de 1989, durante a guerra civil angolana, o avião em que seguia João Soares despenhou-se na Jamba. (O filho de Mário Soares regressava de um congresso da Unita.) Entre outros, estes três acontecimentos tiveram larga cobertura mediática e ficaram gravados na memória colectiva.

Em Moçambique nada ocorreu de parecido. O massacre de Wiriyamu, em Dezembro de 1972, tendo tido larga repercussão na imprensa internacional, sobretudo na de língua inglesa, foi silenciado em Portugal. A partir de 1974, a imprensa portuguesa ignorou sistematicamente a situação em Moçambique, onde dezenas de milhares de indivíduos (negros, mestiços, brancos e indianos; a comunidade chinesa não foi incomodada) foram enviados para os ‘campos de reeducação’ da Frelimo — Nachingwea e Bagamoyo, ambos na Tanzânia; Mitelela, no Niassa. Dois terços dos detidos enlouqueceram, morreram de fome ou foram executados. Seria preciso esperar por Junho de 1995 para o Público dar à estampa a reportagem «Os Campos da Vergonha», de José Pinto de Sá. Alguém ligou? O tema voltaria em 2007 sob a forma de romance, Campo de Trânsito, do historiador e escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho, mas toda a gente assobiou para o lado. Nem sequer a guerra civil moçambicana, que durante dezasseis anos (1976-92) opôs a Frelimo à Renamo, comoveu os nossos media. Pior: não me lembro de ter lido em jornais portugueses qualquer referência ao facto de Joaquim Chissano ter admitido em Washington, perante uma comissão do Departamento de Estado, a prática de execuções sumárias nos anos 1970. («Report on Human Rights Practice for 1991/1992», US State Department, Washington DC, 1993.) A tudo isto a opinião pública portuguesa disse nada.

Para os media nacionais, Moçambique é aquele país distante onde se conduz pela esquerda. Ponto. Nunca perceberam, nem quiseram perceber, que a colonização de Angola não teve nada a ver com a de Moçambique. Para Angola sempre foi quem quis, quando quis e como quis. Ao contrário, para Moçambique, a exigência de carta de chamada vigorou até ao fim dos anos 1960. Os brancos de Angola nunca cortaram o cordão umbilical com as origens. Em Moçambique, para a larga maioria da população branca, Portugal era uma entidade abstracta. Quando eu nasci (1949), ainda a maioria do comércio de Lourenço Marques se fazia em libras e não em escudos: era assim no John Orr's e no LM Bazaar, para dar dois exemplos. E o LM Guardian era redigido em inglês... Não vou entrar na caracterização sociológica da emigração porque existe bibliografia sobre o assunto.

Para os media nacionais, é mais fácil perceber e falar de Angola: diamantes, petróleo, nepotismo, Luanda como meca de patos-bravos, as birras da Dona Isabel, etc. Moçambique fica longe e, bem vistas as coisas, até é desde 1995 um Estado-membro da Commonwealth.

Na imagem, LM/Maputo. Clique.