Ouvir a senhora Merkel dizer que a UE não faz sentido sem o Reino Unido dá a medida da akrasia universal. Naturalmente, não houve pateta do Komentariado indígena que não corroborasse. Adiante. Para quem não se lembra, o Reino Unido não assinou o Tratado de Roma (1957), acto fundador da CEE a que hoje chamamos UE. Dito de outro modo, não fez parte do núcleo fundador: França, Bélgica, Holanda, Itália, Luxemburgo e República Federal Alemã. A CEE, diziam eles, era uma extravagância, um nonsense.
Mas em 1973, dezasseis anos após o Tratado de Roma, foi admitido no clube. O pedido de 1961 fora vetado por De Gaulle, em termos inequívocos: «A natureza, a estrutura, a conjuntura, que são próprias da Inglaterra, diferem dos países continentais.» Os vetos franceses sucederam-se. Entretanto De Gaulle morreu (em 1970) e, em 1973, entraram o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda.
Puro formalismo. Nenhum britânico se considera europeu, upstairs & downstairs continuam a dizer que vão à Europa assim que entram no comboio para Calais ou no ferry para Caen, o Banco de Inglaterra não abdicou da libra, a moeda única (o euro) é olhada com desdém, e o reino ficou de fora do espaço Schengen. Continuam na UE porque isso é do interesse de Washington, beneficiando de cláusulas de excepção inadmissíveis. Mesmo assim, são cada vez mais os britânicos que querem sair.
Cameron foi reeleito com a promessa do referendo, que se realizará a 23 de Junho. As cedências de Bruxelas não convencem ninguém. A recente tomada de posição de Boris Johnson, o popularíssimo e todo-poderoso mayor de Londres, foi um balde de água fria para o primeiro-ministro britânico, que sabe o que é ter do outro lado da barricada um homem com a influência de Boris. Mas não só: seis ministros do seu Governo declararam publicamente ir fazer campanha pela saída, juntando-se a 144 deputados conservadores que já estão a fazer o mesmo. Isto para dizer que o UKIP de Nigel Farage está muito bem acompanhado.