Hoje na Sábado escrevo sobre Os Navios da Noite, colectânea de dezoito contos de João de Melo (n. 1949). Autor de seis romances e uma novela, é no conto que atinge maior conseguimento. Bom exemplo: Sic transit gloria mundi, um dos contos agora reunidos, faz o retrato de um país deslaçado: «O país não estava em condições de lhes dar o luxo de uma ilusão de beleza nem de conforto interior.» Sob a forma de monólogo, alguém que regressa após longa ausência indigna-se com a «comédia de enganos» em que todos participam. Não lhe resta senão libertar a corrente de consciência e dar voz ao discurso do desencanto. Denominador comum, a crítica social. Nos seus livros, João de Melo nunca foi indiferente à sorte dos desapossados, ao estigma das clivagens sociais, aos dramas da solidão. À sua maneira, cada um destes contos recupera esse padrão de preocupações. Em registos diferentes, O ponto de vista do vencido (reminiscências da Pide) e Navio de cruzeiro ao Sul (sobressalto em alto-mar), são alegorias da vulnerabilidade humana. Em suma, histórias comuns, matéria de sempre da literatura. Três estrelas.