Hoje na Sábado escrevo sobre Bússola, do francês Mathias Enard (n. 1972), prémio Goncourt 2015. Publicado em França no ano passado, Bússola segue o ar do tempo, que o mesmo é dizer, a querela que opõe Ocidente e Oriente a reboque da guerra civil na Síria, país onde alemães, franceses e espanhóis dividiam entre si os campos de petróleo. Dito de outro modo, a jihad explicada aos incréus. Para contextualizar, Enard cita dezenas de autores e personagens («Hercule Poirot, o herói de Agatha Christie…»), cruza factos históricos, como por exemplo a colonização do Médio Oriente por parte das potências ocidentais, ponto de partida de todos os males. A mnemónica de Franz Ritter, o narrador, é pontuada com passagens vagamente eróticas («Sulco o seu corpo esguio, musculado…»), uma sobrecarga de referências culturalistas («No oriente do Ocidente, como diz Pessoa») e, sobretudo, muita retórica de salão parisiense. Nem Lou Andreas-Salomé e Peter Fleming escapam ao inventário. Os costumes da sociedade iraniana trazem Verlaine à colação por via de um exame proctológico. Afinal, para a República Islâmica do Irão, público e privado confundem-se. Hitler também entra na intriga. Duas estrelas. Publicou a Dom Quixote.