Faço parte de uma geração que cresceu a admirar a Inglaterra. Sim, a Inglaterra, entidade nacional que subsumia a Inglaterra propriamente dita, mais o País de Gales, a Escócia e a Irlanda do Norte. Até muito tarde, nunca antes dos anos 1970, Reino Unido não era coisa que se ouvisse em conversa. A designação existe desde 1707? Pois existe. Mas era Inglaterra que se dizia. No limite, Grã-Bretanha. As pessoas não iam estudar ou passar férias no Reino Unido. Iam para Inglaterra. Isto para dizer que “a Inglaterra” era o símbolo de uma realidade com muitas moradas no céu.
Aprendemos isso no exercício diário da democracia, na literatura, na música, no teatro, na pintura, no cinema “inglês”, nas séries de televisão, no senso de humor, na moda, no futebol, nas excentricidades indígenas, na magia do countryside, nas revistas e jornais “ingleses”, no verde da relva, nas lutas pelos direitos das minorias, na resiliência aos bombardeamentos alemães, no patchwork dos 53 Estados-membros (um deles Moçambique) da Commonwealth e, last but not least, em Londres. É muita coisa junta para ficarmos indiferentes.
Aqui chegados, não podemos ignorar a sobranceria “inglesa” face à CEE e, mais tarde, à União Europeia, considerada sempre, e apenas, como área de comércio livre. O Reino Unido conservou a sua moeda, não aceitou integrar o Espaço Schengen, nem transpôs para o quadro jurídico interno uma série de normas comunitárias. Para já não falar da vergonha que representam as regras que impôs em matéria de refugiados (não confundir refugiados com emigrantes). Dito de outro modo, o reino de Sua Majestade queria o melhor de dois mundos. E nem por isso deixou de ser, como de facto acontece, a sociedade mais desigualitária da Europa.
Numa Europa cada vez mais desigual, os privilégios do Reino Unido eram um insulto à ideia de comunidade. Percebo a decepção de muita gente, mas o desfecho era fatal. Cameron não percebeu, o que dá a medida da tontice.