sábado, 7 de abril de 2018

A LÍNGUA


Leio revistas brasileiras desde miúdo. O Cruzeiro era uma revista muito popular em Moçambique, e minha Mãe fez uma assinatura creio que em 1956. Machado de Assis e Érico Verissimo também foram leituras precoces. Assim fui descobrindo palavras novas, e gabarito foi a primeira que adoptei. Dito de outro modo: desde cedo percebi que a língua portuguesa extravasa o paroquialismo das selectas.

Vem isto a propósito de quê? No momento que o Brasil atravessa, o hábito de ler jornais brasileiros intensificou-se: era um de manhã, sempre o mesmo, agora são vários. Todos os dias descubro palavras novas. Nada a ver, de facto, com o vocabulário tuíteiro de 9 em cada 10 jornalistas e colunistas portugueses. Lemos cenas do ódio a roçar o totalitarismo, mas o cânone da língua permanece intacto.

IMPASSE


Lula da Silva continua nas instalações do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. Significa isto que não cumpriu o prazo dado por Sérgio Moro, o justiceiro de Curitiba que lidera a Operação Lava Jato. Lula não se entregou, mas também não fugiu. E há meses que o podia ter feito. Não faltam países sem acordo de extradição com o Brasil para onde poderia ter fugido. Acho bem que não o tenha feito. Se o querem prender, têm de o ir buscar. É a diferença entre um estadista e um palhaço.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

DÚVIDA


Alegadamente por questões de segurança, Lula da Silva não tenciona deslocar-se de São Bernardo do Campo, onde permanece, a Curitiba, onde deverá ficar preso. A dúvida é saber se a Polícia Federal invade as instalações do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde Lula dormiu a noite passada, ou se o ex-Presidente vai entregar-se em São Paulo, que fica apenas a 19km. A ver vamos.

Clique no mapa.

O FIM?


Menos de 18 horas após o veredicto do STF, o juiz Sérgio Moro exarou despacho de prisão contra Lula da Silva:

«[...] Relativamente ao condenado e ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concedo-lhe, em atenção à dignidade do cargo que ocupou, a oportunidade de apresentar-se voluntariamente à Polícia Federal em Curitiba até as 17:00 do dia 06/04/2018, quando deverá ser cumprido o mandado de prisão. Vedada a utilização de algemas em qualquer hipótese. [...]»

Neste momento ainda não se sabe se Lula vai entregar-se voluntariamente. Logo, quando forem 20:00 em Portugal, saberemos.

Clique na imagem do jornal Globo.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

O FOLHETIM

Considerando que o referendo e a declaração unilateral de independência da Catalunha não envolveram violência, o Tribunal Superior Regional de Schleswig-Holstein entendeu que o crime de rebelião não deve ser considerado na extradição de Puigdemont. Desse modo, após pagar uma fiança de 75 mil euros, o catalão aguardará em liberdade a tramitação do processo de extradição pelo crime de desvio de fundos públicos (está acusado de desviar 1,6 milhões de euros). Aguardar os próximos capítulos do folhetim.

ELIZABETH STROUT


Hoje na Sábado escrevo sobre Tudo É Possível, da norte-americana Elizabeth Strout (n. 1956), autora que faz parte de um grupo que, por uma ou outra razão, se mantém arredio à edição portuguesa. E não devia. O romance mais recente, laureado com o Story Prize de 2018, acaba de ser traduzido. A autora tem sido aclamada pela crítica mais exigente, indiferente ao facto de vários dos seus livros serem bestsellers e, entre outros prémios, recebeu o Pulitzer de Ficção em 2008. Quem tenha lido O Meu Nome é Lucy Barton (2016) identifica a personagem central de Tudo É Possível. O romance pode ser lido como uma sequência de contos unidos pelo mesmo fio condutor. Denominador comum: o sexo. O plot gira em torno do regresso de Lucy Barton à vila do Illinois que a vira partir, adolescente ‘excluída’, para Nova Iorque. Regressa como escritora, e esse regresso, a pretexto do lançamento do seu livro de memórias, vai iluminar os recessos mais negros do passado dos habitantes de Amgash. Embora as situações sejam diferentes, como não pensar em Dürrenmatt e A Visita da Velha Senhora? Na terra todos conhecem as histórias de todos. Algumas são terríveis, como a infância devastadora de Sebastian, repetidamente estuprado pelo pai. Outras fúteis, como a mexeriquice acerca da frigidez de Patty, mulher de Sebastian e filha da mulher que protagonizou um adultério gravado nos anais Amgash. Chegados à velhice ou à meia-idade, o rancor deixara de pedir licença. O regresso de Lucy potencia várias formas de atrabílis. No capítulo Irmã, ela própria tem o seu momento de catarse. Em conversa com os irmãos, sofre um ataque de pânico e vê-se obrigada a partir. Elizabeth Strout compõe as personagens com precisão não isenta de subtileza. Por exemplo, Charlie, o homem «da dor indizível», antigo combatente no Vietname, sofre de stress pós-traumático. Linda vive longe, num meio glittering em tudo oposto ao da irmã (Patty) e dos outros. Crime, travestismo, compaixão, voyeurismo, luta de classes, homossexualidade, tudo perpassa nesta constelação de vidas interligadas. Toda a vulnerabilidade será castigada? Quatro estrelas. Publicou a Alfaguara.

LULA


Por 6 votos contra 5, o Supremo Tribunal Federal recusou habeas corpus preventivo a Lula da Silva. Após a votação, a defesa de Lula fez uma última tentativa para impedir a prisão até estarem transitados os recursos, mas o Tribunal rejeitou o pedido por 8 votos contra 2. Assim, embora tenha recursos pendentes, o antigo Presidente pode entrar na prisão a qualquer momento.

O que fez o homem? Em 2010, Lula e a segunda mulher, Marisa Letícia (1950-2017), falecida o ano passado, compraram um triplex em Guarujá, cidade do litoral do Estado de São Paulo. O juiz da Operação Lava Jato alega que a compra é fictícia. Quem de facto pagou os 550 mil euros terá sido a construtora OAS, a troco de contratos com a Petrobras. No primeiro julgamento, Lula foi condenado a 9 anos de prisão efectiva. Após recurso, a pena subiu para 12 anos e 1 mês. Agora, tudo depende do juiz da Lava Jato.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

DGARTES

Miguel Honrado já se demitiu? Com apoio ou sem apoio do ministro da tutela e do próprio primeiro-ministro, o secretário de Estado da Cultura não tem condições para continuar no cargo. Já não se trata só do desastre que representa o financiamento das actividades artísticas dependentes de apoio do Estado. É toda a estrutura da direcção-geral das Artes que deve ruir.

LULA & OS GENERAIS


A situação no Brasil está por um fio. O Supremo Tribunal Federal decide hoje se Lula da Silva é preso imediatamente ou, como pretende a defesa, tem direito a habeas corpus preventivo. A sessão começa quando forem 17:00 em Portugal.

As manifestações sucedem-se. Em mais de 50 cidades, centenas de milhares de pessoas têm-se manifestado a favor (a maioria) ou contra a prisão do antigo Presidente. Mas isso dura há meses. A novidade é que o Exército tomou posição.

Já hoje, o general Eduardo Villas Boas, Comandante do Exército Brasileiro, escreveu no Twitter:

«Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade [...] O Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?»

Menos formal, por estar na reserva, o general Luis Gonzaga Schroeder declarou: «O dever das Forças Armadas é restaurar a ordem. Temos os sabres prontos.» Até ao momento, são seis os generais de topo que se têm manifestado a favor da prisão de Lula.

Clique nos tuítes de Villas Boas.

terça-feira, 3 de abril de 2018

OS DIAS DO FIM


O procurador-geral de Schleswig-Holstein recomendou ao Tribunal Superior Regional a extradição de Puigdemont. O procurador-geral faz notar que o crime de rebelião, conforme a lei espanhola, corresponde ao crime de alta traição, conforme a lei alemã. Tal como a organização de um referendo ilegal, o crime de desvio de fundos públicos (o ex-dirigente catalão está acusado de desviar 1,6 milhões de euros) também está contemplado na lei alemã. Enquanto o pau vai e vem, Puigdemont continua na prisão.

Clique na imagem do jornal catalão La Vanguardia.

CÁFILA

Não há dinheiro para a Cultura mas sobra para os contratos de associação entre o Estado e o ensino privado. Lembram-se da pouca vergonha das manifs pelo ‘direito de escolha’ organizadas por colégios ditos privados, porém subvencionados com os nossos impostos?

Então é assim. Cinco administradores do grupo GPS estão acusados de desviar 35 milhões de euros, usando-os em proveito próprio: carros de luxo, seguros pessoais, viagens, jantares gourmet, etc. Uma parcela desse dinheiro (meio milhão de euros) saiu dos pagamentos feitos pelos alunos na papelaria e no bar dos colégios São Mamede, da Batalha, e Miramar, de Mafra. Juntamente com o Bando dos Cinco, o Ministério Público acusou José Manuel Canavarro, ex-secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa, e José Maria de Almeida, ex-director regional de Educação, ambos do PSD, dos crimes de burla qualificada, abuso de confiança, corrupção, peculato e falsificação de documentos.

Quando é que um Governo terá a coragem de acabar com os contratos de associação?

segunda-feira, 2 de abril de 2018

TIANGONG


A estação espacial chinesa Tiangong-1 caiu no Pacífico Sul, perto da costa chilena. Lá se foi a fantasia minhota, fabricada pela TVI, SIC e outros media nacionais, do fogo de artifício de sarrabulhos entre Seixas e Ponte de Lima.

Clique no tuíte do 18.º Esquadrão de Controlo Espacial americano.

domingo, 1 de abril de 2018

SKRIPAL

E se o caso Skripal não passasse de uma manobra, perigosa, para adiar o Brexit sine die?

sexta-feira, 30 de março de 2018

PLÁGIO, DIZ ELA


Como é que um realizador com os pergaminhos de João Botelho se mete numa alhada destas? Plot: o filme mais recente de Botelho chama-se A Peregrinação, mas pouco tem a ver com Fernão Mendes Pinto. Em compensação, tem tudo a ver com O Corsário dos Sete Mares, romance histórico de Deana Barroqueiro sobre a vida de Fernão Mendes Pinto.

A leviandade não termina aqui. O crítico de cinema Nuno Pacheco, escrevendo no Ípsilon, fala de personagens e cenas inventadas por Deana Barroqueiro como se fossem da Peregrinação. Botelho diz agora que não conseguiu contactar Deana Barroqueiro porque na LeYa ninguém atende telefones. Então ficamos assim.

Os media portugueses todos calados. 

Clique na imagem do jornal Hoje Macau

CADÊ O JE SUIS?


Os charlies brasileiros exigem que a Netflix cancele a série O Mecanismo. Inspirada na Operação Lava-Jato, a série de José Padilha, mazinha, embora divertida, ilustra a cultura de corrupção que move as ‘elites’ empresariais e políticas do Brasil. A Esquerda mais exaltada acusa o realizador e roteirista de assassinato de carácter de Lula e Dilma. Mas Lula e Dilma são engolidos pelo thriller, e tinham ficado melhor na fotografia se não esperneassem como andam a espernear por causa disto (o antigo Presidente ameaça processar a Netflix). Então o je suis é só para francês ver?

quarta-feira, 28 de março de 2018

BELLOW & MONGINHO


Hoje na Sábado escrevo sobre Cartas e Recordações, de Saul Bellow (1915-2005). Seria pleonástico enfatizar a importância do autor, mas, no momento em que chega às livrarias portuguesas o volume que colige parte da sua correspondência, convém recordar o óbvio: algumas correspondências são, de facto, Literatura. É o caso desta. Por razões facilmente compreensíveis, a presente edição não contempla as 708 cartas do original americano. No prólogo, Salvato Telles de Menezes, o tradutor, explica ter privilegiado temas representativos («ideias literárias, ideias político-sociais, religiosas…»), bem como interlocutores familiares ao leitor português, como são os escritores e os políticos internacionalmente conhecidos. Não obstante, no fim de algumas cartas, existem verbetes sucintos das pessoas citadas. A vida íntima não foi esquecida, uma vez que a selecção abrange cartas para os filhos e para as ex-mulheres (casou cinco vezes). E também inclui cópia de uma carta enviada em 1972 à Century Association, um clube elitista de Manhattan, propondo com vigor a não-admissão do homem que, em sua opinião, era responsável pela decadência da Partisan Review. Oriundo de uma família de judeus russos, os Belo, Saul Bellow nasceu no Quebeque, para onde o pai tinha fugido após problemas em São Petersburgo. Foi para Chicago com 9 anos feitos, mas só aos 28 obteve a cidadania americana. Estudou antropologia e sociologia antes de enveredar pela carreira literária. O primeiro romance, Na Corda Bamba (1944) despertou de imediato a atenção de Edmund Wilson, o crítico mais influente da América. Quando, em 1976, recebeu o Nobel da Literatura, era já um autor consagrado no país que adoptou como seu e sobre o qual escreveu de forma admirável. Iconoclasta, adversário confesso do multiculturalismo académico, ficou célebre a boutade, em directo na televisão, acerca de nunca ter lido nada do ‘Proust da Papua-Nova Guiné’… Uma conferência sobre o papel dos escritores na universidade exacerbaria os ânimos. Mas esse era o lado para que Bellow dormia melhor. O arco cronológico desta compilação vai de 1932 a 1982. São muito interessantes as opiniões sobre as mulheres que amou, a obra de outros escritores, os países que visitou e os factos políticos de que foi testemunha. Cinco estrelas. Publicou a Quetzal.

Escrevo ainda sobre Um Muro no Meio do Caminho, de Julieta Monginho (n. 1958), magistrada do Ministério Público e romancista. Em 2016, a autora voluntariou-se para trabalhar num campo de refugiados da ilha grega de Chios. O resultado foi  o seu livro mais recente. O leitor lembra-se logo do verso famoso, Tinha uma pedra no meio do caminho, de Drummond de Andrade. Contra a evidência, Um Muro no Meio do Caminho é um romance. Os escritores têm a capacidade de transmudar a realidade em ficção, e foi o que autora fez, a partir da sua experiência na Grécia: «Este é um livro de ficção. Nenhuma das personagens, excepto J., corresponde a uma pessoa real.» Não será abusivo supor que J. seja a própria autora. As ‘histórias’ são pontuadas com factos concretos e directivas oficiais sobre populações deslocadas: «Angela Merkel decidiu apoiar a visão segundo a qual reenviar as pessoas para a Hungria era logisticamente impossível e moralmente injustificável.» Por intermédio destes inserts, a autora ilustra o pano de fundo da tragédia. Estamos perante um testemunho que nos alerta para a urgência de um problema que arrisca ser a vergonha deste século. Quatro estrelas. Publicou a Porto Editora.

segunda-feira, 26 de março de 2018

A VIDA COMO ELA É

O juiz do Tribunal de Neumünster decidiu que Puigdemont fica em prisão preventiva enquanto decorrer o processo de extradição para Espanha.

MERKEL: A ESPANHA O QUE É DE ESPANHA


Steffen Seibert, porta-voz do Governo alemão, depois de uma reunião com Merkel e vários ministros: 

«O Governo apoia de forma clara as acções do Governo espanhol, de forma a garantir a ordem legal e constitucional. A Espanha é um Estado constitucional e democrático. O conflito na Catalunha deve ser resolvido dentro da ordem jurídica e constitucional espanhola

O mapa mostra o local onde Puigdemont foi interceptado pela polícia alemã logo após ter atravessado a fronteira dinamarquesa. Realizada a partir de Helsínquia, a operação conjunta dos serviços secretos espanhois (CNI) e alemães, presentes na área de serviço onde a BKA efectuou a detenção, terminou com a entrada de Puigdemont na prisão da cidade de Neumünster.

Entretanto, Barcelona está ao rubro. Nas manifestações de ontem ficaram feridas mais de cem pessoas, sendo detidas seis.

MANUEL REIS 1946-2018


Morreu ontem à noite o Manuel Reis, o homem que inventou a movida de Lisboa, trocando o trabalho no check-in da TAP pela refundação do Bairro Alto. Primeiro na Loja da Atalaia, situada actualmente no Cais da Pedra, espaço que deu visibilidade a vários designers, depois, sucessivamente, no Pap’Açorda, no Frágil, na Bica do Sapato, no Lux-Frágil, no Rive-Rouge. Bom gosto, elitismo, modernidade e multiculturalismo foram os traços distintivos. Com o seu desaparecimento, Lisboa fica mais pobre. O corpo estará em câmara ardente no Teatro Thalia.

domingo, 25 de março de 2018

CLARA PONSATÍ


A polícia escocesa aguarda que Clara Ponsatí se entregue às autoridades de livre vontade. Acusada de rebelião, a antiga dirigente catalã fez parte do grupo que, em 27 de Outubro, acompanhou Puigdemont para Bruxelas. Em Janeiro renunciou ao mandato de deputada e partiu para a Escócia, retomando o lugar de professora em St Andrews.

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