Hoje na Sábado
A morte precoce de Almudena Grandes (1960-2021) interrompeu um dos projectos mais ambiciosos da literatura de Espanha, a série de Episódios de Uma Guerra Interminável, terminada com A Mãe de Frankenstein, agora traduzido. Inspirando-se na vida de Aurora Rodríguez Carballeira, uma feminista avant la lettre, Almudena Grandes — formada em História — expõe a forma como o regime de Franco lidava com a psiquiatria.
Aurora foi internada depois de matar a filha de dezoito anos, a famosa Hildegart, menina-prodígio e activista republicana, abatida pela mãe com quatro tiros de pistola. O interesse da autora pela história clínica de Aurora começou no momento em que leu El Manuscrito Encontrado em Ciempozuelos, do psiquiatra Guillermo Rendueles Olmedo.
Como em livros anteriores, também neste se cruzam personagens fictícias e pessoas reais (entre outros, o psiquiatra Juan José López Ibor, que pretendia curar a homossexualidade dos pacientes), factos históricos e situações efabuladas. O manicómio feminino de Ciempozuelos existe, estando associado à tentativa de reconquista da cidade por parte do Quinto Regimento republicano, comandado por Gustavo Durán, amigo de Lorca, Buñuel e Alberti, figura lendária de Guerra Civil de Espanha.
Narrado a três vozes, uma delas a do psiquiatra Germán Velázquez Martín, A Mãe de Frankenstein centra-se nos últimos anos de vida de Aurora, fazendo o relato cru de como a repressão do nacional-catolicismo espanhol se estendia à esfera da saúde mental. Germán, que viveu exilado na Suíça durante quinze anos, regressa ao país em 1954, trazendo com ele métodos humanos e um medicamento experimental, a Clorpromazina. Ali chegado, Germán interessa-se pelo ‘caso’ de Aurora, bem como pela natureza da relação da filicida com a enfermeira María Castejón. É sobre este eixo central que se desenvolve a narrativa, tendo como pano de fundo as diversas faces da ignomínia franquista, como por exemplo o roubo de crianças filhas de republicanos, para serem entregues a famílias católicas.
Uma extensa nota da autora contextualiza as relações de contiguidade entre ficção e realidade. A útil tábua de personagens que fecha o volume podia (e devia) ter sido inserida a abrir.
Escritos contra a amnésia histórica, os cinco romances que compõem a série de Episódios de Uma Guerra Interminável (o sexto ficou por concluir) estendem à segunda metade do século XX a saga ficcional escrita por Benito Pérez Galdós sobre os anos 1800.
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