quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

INTERDITOS DA GUERRA

Agora não se consegue ler um jornal sem tropeçar em artigos de opinião sobre Marcelino da Mata, tenente-coronel Comando falecido no passado dia 11, vítima de Covid-19. Em uníssono, a Direita considera-o um herói. Parte da Esquerda considera-o criminoso de guerra. O Presidente da República e as mais altas chefias militares fizeram questão de estar presentes no funeral. O ministro da Defesa não, mas enviou à Lusa um comunicado a enaltecer enfaticamente a carreira do militar falecido. A ironia é que 9,9 em cada dez portugueses nunca ouviu falar do homem.

Em vez de artigos de opinião, muitos deles canhestros, a imprensa tinha aqui um bom pretexto para investigar o dark side da Guerra Colonial. Passados 60 anos sobre o início do conflito — 4 de Fevereiro de 1961 —, está na altura de avaliar o que aconteceu. Por exemplo, explicar o que foi a Operação Mar Verde, concebida e executada por portugueses, na Guiné, em Novembro de 1970.

A referida operação, uma espécie de Baía dos Porcos à portuguesa, tem todos os ingredientes para interessar um grande número de leitores. Vejamos: nesse distante Novembro de 1970, o então capitão-tenente Fuzileiro Alpoim Calvão liderou um ataque à capital da Guiné-Conacry. Intuito: capturar Amílcar Cabral, líder do PAIGC / libertar prisioneiros portugueses / proporcionar o desembarque de oposicionistas de Sékou Touré / destruir os caças russos Mig que se supunha estarem no aeroporto da cidade, bem como as lanchas rápidas fornecidas pela URSS ao PAIGC. Marcelino da Mata foi um dos principais protagonistas da operação, que seria mais tarde discutida na ONU, embora Portugal dissesse que desconhecia o assunto.

Spínola e Marcello Caetano deram luz verde ao golpe. Mas a única coisa que os homens de Alpoim Calvão conseguiram foi destruir as lanchas rápidas e libertar um número indeterminado (entre 25 e 40) de prisioneiros portugueses. Tudo o resto falhou. Amílcar Cabral não foi encontrado, não havia Migs no aeroporto de Conacry, os oposicionistas da FLNG não conseguiram eliminar Sékou Touré. Em vez disso, os cem homens da FLNG foram presos, torturados e executados pela República da Guiné.

Em vez das redacçõezinhas em que os colunistas andam entretidos, a imprensa podia ilustrar os mais jovens sobre uma guerra de que eles quase nunca ouvem falar.