Natural de Vila Viçosa, Florbela tornou-se um case study, porque, vá-se lá saber porquê, a Academia insiste em fazer dela uma poetisa menor. Felizmente, a situação tende a mudar. Após décadas de silêncio, Florbela encontra-se antologiada em Do Corpo: Outras Habitações (2018), volume organizado para a Assírio & Alvim por Ana Luísa Amaral e Marinela Freitas.
Filha de uma camponesa e de pai “incógnito” — o republicano João Maria Espanca, antiquário, fotógrafo e introdutor do cinema no Alentejo, só reconheceu a filha em 1948 —, Florbela frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas interrompeu os estudos em 1920 ao mudar-se com o amante para o Porto.
Estreada com Livro de Mágoas (1919), obra publicada por empenho de Raul Proença, teve sempre grande dificuldade em editar os seus livros. Em vida, apenas dois foram publicados, o segundo em edição paga pelo pai. Isso explica que a maior parte deles, incluindo os contos e o diário, tenham tido publicação póstuma, com prefácios de Régio, Agustina Bessa-Luís, Natália Correia, Yvette K. Centeno e, no Brasil, de Maria Lúcia Dal Farra.
A seu respeito, Régio falou de «donjuanismo feminino». Se tivesse nascido na Inglaterra ou nos Estados Unidos, Florbela seria hoje lida e estudada em toda a parte e, por certo, um ícone do feminismo.
Em Matosinhos, para onde foi viver com o terceiro marido, em 1926, dava explicações de português, fazia traduções de francês para a Figueirinhas e colaborava esporadicamente na imprensa, assinando quase sempre como Flor Bela Lobo (nome de baptismo) ou com o pseudónimo Florbela d’Alma da Conceição Espanca.
Em 1927, a morte do irmão, o piloto-aviador Apeles Espanca, afectou-a profundamente. Apeles despenhou no Tejo, perto da Trafaria, o hidroavião Hanriot que pilotava. Sobre o irmão, Florbela escreveu o poema que escolhi, bem como os contos de As Máscaras do Destino (1931).
Na madrugada do dia em que fez 36 anos, Florbela suicidou-se.
O poema desta semana pertence ao livro póstumo Charneca em Flor, concluído em 1929, mas só publicado em 1931, por iniciativa de Guido Batelli, o professor italiano da Universidade de Coimbra de quem foi próxima. A imagem foi obtida a partir da 12.ª edição integral de Sonetos, publicada pela Livraria Tavares Martins, do Porto, em 1968.
[Antes deste, foram publicados poemas de Rui Knopfli, Luiza Neto Jorge, Mário Cesariny, Natália Correia, Jorge de Sena, Glória de Sant’Anna, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen e Herberto Helder.]
Clique na imagem.