Refiro-me a Veneno, em streaming na HBO. Criada por Javier Ambrossi e Javier Calvo a partir da biografia de Cristina Ortiz Rodríguez (1964-2016), conta a história da mais famosa transexual espanhola de sempre, La Veneno...
Analfabeta, La Veneno contou a sua vida a Valeria Vegas, jornalista transexual. Foi Valeria quem escreveu Digo! Ni puta, ni santa. Las memorias de La Veneno, livro publicado em Outubro de 2016. Cerca de um mês depois, La Veneno foi encontrada inanimada em casa, com traumatismo cranioencefálico. Após quatro dias em coma, morreu. Tinha 52 anos. Ainda hoje se discute se foi acidente ou assassínio. Entrevistada na televisão semanas antes de morrer, afirmou ter recebido ameaças de morte por causa da biografia.
A série é composta por oito episódios. Em televisão mainstream nunca vi nada igual: linguagem, sexo explícito, etc. A narrativa começa em Adra, a vilória onde La Veneno nasceu como José Antonio Ortiz Rodríguez, vulgo Joselito. Três actores compõem a personagem de Joselito: criança de 8 anos / adolescente de 14 / jovem adulto homossexual. E três actrizes transexuais a de La Veneno: puta em Madrid / estrela de Esta noche cruzamos el Mississippi, o programa de maior audiência na televisão espanhola / ex-presidiária. La Veneno esteve presa duas vezes: três anos entre 2003 e 2006, numa prisão masculina, e alguns meses em 2014, numa prisão feminina.
O auge da fama ocorreu nos anos 1990, quando futebolistas, políticos, membros do jet-set espanhol e, se non è vero, è ben trovato, um destacado membro da realeza — quem vir a série, dê atenção aos olhos do actor que surge no 8.º episódio dentro da limusine — faziam parte da sua carteira de clientes. Os nomes são omissos, mas as iniciais estão no livro.
Não é um tema fácil. A crueza das situações descritas perturbará muita gente. Mas vale a pena. Ao pé disto, Almodóvar é uma canção de embalar.
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