terça-feira, 1 de dezembro de 2020

EDUARDO LOURENÇO 1923-2020


Hoje na Sábado.

Com a morte de Eduardo Lourenço, ocorrida hoje, aos 97 anos, Portugal perdeu o seu último maître à penser. Dito de outro modo, o ensaísmo português nunca mais será o mesmo. Não tratamos de avaliar a qualidade do que fica, apenas a peculiar singularidade de um pensamento.

Conselheiro de Estado e antigo administrador não executivo da Fundação Calouste Gulbenkian, Eduardo Lourenço nasceu no seio de uma família conservadora, em São Pedro de Rio Seco, pequena aldeia raiana da Beira Alta, no dia 23 de Maio de 1923 (embora seu pai, à época 1.º sargento de Infantaria destacado em Coimbra, só o tenha registado no dia 29). Foi o primeiro dos sete filhos do casal. Depois dos primeiros estudos na aldeia Natal e na Guarda, ingressou em 1934 no Colégio Militar, estando já o pai colocado em Moçambique. A formação universitária fê-la na Universidade de Coimbra, cidade onde colaborou na imprensa local e concluiu a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas.

Parte da sua dissertação, O Sentido da Dialética no Idealismo Absoluto (1946), seria mais tarde coligida em Heterodoxia I (1949), o livro de estreia. Até 1953 ficará em Coimbra como assistente universitário. Em simultâneo, obtém uma bolsa Fulbright para estagiar na Universidade de Bordéus. É o início de um périplo que o levará, como leitor de português, a universidades de Hamburgo, Heidelberg e Montpellier. Entretanto, após uma passagem (1959) pela Universidade Federal da Bahia, como professor convidado de filosofia, radica-se em França em 1960, a convite da Universidade de Grenoble. Mas em breve se transfere para a de Nice, onde seria jubilado em 1988 como maître de conferences associado. Mantém a residência em Vence mesmo no período em que exerce as funções de Conselheiro Cultural na embaixada de Portugal em Roma. Só a morte da mulher, Annie Salomon, uma reputada hispanista, o fez regressar definitivamente a Portugal. 

Uma tão larga ausência (1953-2013) do país, fazendo dele um estrangeirado, não o distraiu da política nacional. São disso exemplo, entre outras, obras como O Fascismo nunca Existiu (1976), O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português (1978), O Complexo de Marx ou o Fim do Desafio Português (1979), Cultura e Política na Época Marcelista (1996) e Do Colonialismo como Nosso Impensado (2014). Terá recusado convites para exercer funções docentes nas universidades de Coimbra, do Porto e de Lisboa, mas não desistiu de intervir, através de livros, prefácios — como o que escreveu para Alvorada em Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho —, artigos, conferências, etc. É sabido que, em 1975, não aceitou ser ministro da Cultura do VI Governo Provisório. Militou na UEDS, foi apoiante de Eanes e, em 1985, integrou o grupo de intelectuais que apoiaram a criação do PRD, o partido presidencial.

Numa bibliografia tão vasta, a excelência reside nos estudos que dedicou à literatura ela-mesma. Obras como Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista (1968), Fernando Pessoa Revisitado. Leitura Estruturante do Drama em Gente (1973), Tempo e Poesia (1974), Poesia e Metafísica. Camões, Antero, Pessoa (1983), Fernando, Rei da Nossa Baviera (1986) ou O Canto do Signo (2017), são de leitura obrigatória.

Órfã de pensadores, a Pátria quis fazer dele filósofo. Eduardo Lourenço recebeu todos os prémios portugueses que havia para receber, entre eles o António Sérgio (1992), o D. Dinis (1995), o Camões (1996), o Vergílio Ferreira (2001), o Pessoa (2011) e o Vasco Graça Moura (2016). Doutorado honoris causa por universidades de Lisboa, Bolonha, Coimbra e do Rio de Janeiro, recebeu comendas de vária índole, em Portugal e em França, entre elas o colar de Grande Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (1981). Não foi pequeno mérito ter sido reconhecido em vida.

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