sábado, 30 de março de 2019

REFERENDOS & PARLAMENTOS


Repetir pela enésima vez: não gosto de referendos. Porém, nos países em que estão consagrados constitucionalmente, têm de ser respeitados.

Em Portugal, os referendos apenas são vinculativos se o número de votantes for superior a 50%.

O que é que tem acontecido? Exemplo paradigmático: a despenalização do aborto. Dois referendos, ambos não vinculativos.

No primeiro, realizado a 28 de Junho de 1998, era Guterres primeiro-ministro e Soares Presidente da República, o número de votantes foi de 31,9% (os restantes 68,1% não votaram). A despenalização foi chumbada por 50,9% dos votantes.

No segundo, realizado a 11 de Fevereiro de 2007, era Sócrates primeiro-ministro e Cavaco Presidente da República, o número de votantes foi de 43,5% (os restantes 56,5% não votaram). Dessa vez, a despenalização foi aprovada por 59,2% dos votantes, apesar da violenta campanha da Direita ultramontana e da Igreja. Mas o resultado continuava não-vinculativo, porque mais de metade dos eleitores recenseados ignorou o referendo.

Com maioria absoluta, e o apoio claro de dois terços dos votantes, o PS levou o assunto ao Parlamento, conseguindo aprovar, por essa via, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher.

Temos de ser coerentes: ou queremos democracia directa (referendos), ou acreditamos e queremos democracia representativa (regime parlamentar). Uma coisa não pode servir de bengala da outra.

Isto remete-nos para o referendo ao Brexit, no qual votaram 72,2% dos britânicos recenseados, ou seja, uma maioria comprometida. Não foram 30 nem 45 por cento, foram 72,2%. O intervalo (3,7%) entre o Sim e o Não foi curto? Um voto que fosse! A democracia tem regras.