Deixei Moçambique em Novembro de 1975, cinco meses depois da independência do país. Tinha 26 anos, vivia com o Jorge há três, era autor de um livro de poesia publicado no ano anterior, e conhecia Portugal de duas visitas: 1964 e 1974. Nunca voltei. O passado é o passado. Mas tenho-me mantido informado da realidade moçambicana através de amigos que vão e vêm, da imprensa de Maputo, de escritores moçambicanos com quem falo nos eventos do costume. Em 1999, entrevistado pela RTP, disse que tinha nascido em Moçambique como podia ter nascido na China (afirmação que causou escândalo), mas é mesmo isso que penso. A nossa terra é onde nos sentimos bem. Nunca tive fantasmas identitários. Isto dito, passo ao que realmente interessa.
Fui ontem tomar chá com uma grande amiga que também deixou Moçambique em Novembro de 1975. Nessa altura ela tinha 12 anos. Mas não esqueceu. Nunca nos conhecemos enquanto lá vivemos. A nossa amizade data de 2007. Em comum, o facto de sermos escritores. Em 2009, escreveu um livro devastador sobre a realidade colonial que fez dela o alvo de todos os saudosistas. Foi demonizada até ao paroxismo. O que sempre nos separou foi a vontade de voltar. Ela queria, eu não. E lá foi, contra todas as advertências, passar um mês sozinha. Sozinha ali se manteve, por acaso num bairro bom. Teve a sorte de arranjar um motorista de tuk-tuk de confiança. A descrição que me fez da Maputo actual não terá sido diferente da que faria de Nairobi: crime, insegurança generalizada, pobreza extrema, autismo da comunidade branca. Por comunidade branca entenda-se o núcleo dos funcionários transnacionais que estão de passagem e são pagos em dólares americanos, os sul-africanos que exploram os resorts turísticos, mas, sobretudo, os nacionalistas que pertencem ou têm a bengala das ‘estruturas’ do Partido único. Essa comunidade de happy few vive em guetos de luxo, tem segurança privada e circula em automóveis com vidros fumados. Ninguém que se preze tem menos que vários criados. O formalismo é de regra nas relações sociais. Quatro quintos da população não tem o que comer. Sobre a degradação urbana não vale a pena falar. Em suma, um pesadelo.
A tudo isto, a imprensa portuguesa diz nada. Moçambique fica do outro lado do mundo, nunca interessou aos nossos jornaleiros.
As imagens mostram a vista aérea dos bairros da Polana e do Sommerschield, e parte do Hotel Polana, inaugurado em 1922. Clique nelas.