Hoje na Sábado escrevo sobre o terceiro tomo de entrevistas compiladas da Paris Review. Fundada em 1953, a revista mantém-se como uma das mais prestigiadas do mundo. A sua mudança para Nova Iorque, ocorrida em 1973, ditou a continuidade. Com 222 números publicados até ao momento, continua a ter nas entrevistas a sua pièce de résistance. Em Portugal estão traduzidas três colectâneas, sendo o volume mais recente da responsabilidade de Alda Rodrigues. Este número inclui entrevistas com Alice Munro (1931), Dorothy Parker (1893-1967), Elena Ferrante (1943), George Steiner (1929), Henry Miller (1891-1980), Emmanuel Carrère (1957), John Steinbeck (1902-1968), Julian Barnes (1946), Karl Ove Knausgard (1968), Lydia Davis (1947), Susan Sontag (1933-2004) e W.H. Auden (1907-1973), ou seja, sete escritores vivos e cinco já desaparecidos. A inclusão de Ferrante e Knausgard faz vénia à repercussão mediática das obras respectivas, enquanto Carrère preenche a quota francesa. Nove são ficcionistas puros, um é poeta, e os outros dois são ensaístas, embora Sontag, notabilizada como tal, também tenha escrito romances. A entrevista mais longa é com George Steiner. Setenta páginas prodigiosas nas quais acompanhamos o raciocínio do último renascentista vivo. A partir de temas concretos, o autor confessa o ‘atrito’ com a ficção: «precisam de um romancista a sério, que eu não sou.» O mesmo para a poesia. Por isso ficou pensador, controverso dos dois lados do Atlântico, erudito como muito poucos, senhor de uma cosmogonia única. Não há espaço para resumir as respostas que deu em 1994, mas elas valem pelo livro todo. Sontag também é brilhante, mas olha para a posteridade. Ferrante é prosaica. Auden enfatiza o senso comum em registo sarcástico (e trata o companheiro de uma vida como senhor Kallman). Knausgard, entrevistado por James Wood himself, concede que não escreve bem: «A verdade é que sou demasiado autocrítico para ser escritor, e fui muito crítico com este projecto. Foi uma tortura.» Refere-se aos seis volumes de A Minha Luta. O norueguês põe o acento tónico no politicamente correcto: já ninguém discute o que interessa porque o feminismo e o multiculturalismo é que são importantes. Barnes nunca desilude. Carrère é o único que pronuncia… chique. Cinco estrelas. Publicou a Tinta da China.
Escrevo ainda sobre Quando as Girafas Baixam o Pescoço, de Sandro William Junqueira (n. 1974). Entre os novos ficcionistas, a sua voz distingue-se com nitidez. Autor de quatro romances, uma peça de teatro e dois livros para a infância, Sandro William Junqueira manipula com fluência um universo semântico muito pessoal. O livro mais recente é uma alegoria bem escarolada da não-razão de sobreviver: «Naquela urbanização há um buraco. Uma falha no ordenamento do betão.» A linearidade é enganadora. O imáginário do autor dribla o leitor mais precavido. Os interstícios da prosa vão sendo sinalizados por ecos do Modernismo. Montado numa sucessão de sketches, o romance secciona a narrativa em cem micro-capítulos. O sexo é recorrente: «enfiou dentro de si o maior número de dedos que conseguiu.» Certa ideia de cenografia molda várias passagens. Vera, uma das protagonistas, «tem um filho atravessado na barriga. E tem o pai do filho atravessado na garganta. […] Mas ela sabe que não pode ter duas coisas atravessadas no corpo ao mesmo tempo.» Não é despiciendo supor que, em data incerta, Sandro William Junqueira possa vir a autonomizar uma das estórias. Quatro estrelas. Publicou a Caminho.