quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

DYLAN THOMAS


Hoje na Sábado escrevo sobre Retrato do Artista Quando Jovem Cão, de Dylan Thomas (1914-1953), obra que, mais de meio século passado sobre a tradução de Alfredo Margarido, regressa às livrarias pela mão de José Lima, que juntou no mesmo volume toda a ficção do autor, incluindo o romance inacabado Aventuras no Comércio de Peles, os contos dispersos por jornais e revistas, bem como os da fase final (reunidos entre as páginas 381 e 448), antecedendo os da juvenília. Em texto preambular, o tradutor justifica a ausência de notas de rodapé que apoiariam o leitor menos versado em mitologia clássica, cultura bíblica, lendas celtas, expressões populares, usos e costumes galeses. Uma cronologia fecha o volume. O título paródico remete para Joyce, mas apenas como homenagem remota. Além de poesia, contos e textos para a rádio, Thomas escreveu guiões para cinema. O carácter experimental e fragmentário dos primeiros contos explica a alegada filiação surrealista, mito que o autor alimentou a partir da publicação (em 1936) de alguns contos e poemas na revista vanguardista Contemporary Poetry and Prose. O traço distintivo foi esquecido em 1940, ano de publicação de Retrato do Artista Quando Jovem Cão, colecção de contos autobiográficos que iluminam os anos anteriores a 1939, vividos entre Swansea e Londres. A escrita elegíaca e o imaginário panteísta vêm em linha recta do ofício de poeta. Um conto emblemático, e um dos mais conhecidos, Uma visita ao avô, faz parte do livro. Precocemente consagrado, Thomas era conhecido na rua onde morava como “o Rimbaud de Cwmdonkin Drive”. Alheado da política, a sua vaguíssima adesão ao marxismo foi uma forma de identificar-se com os autores ingleses mais influentes do tempo. Na realidade, o seu companheiro de pubs era o poeta Roy Campbell, militante da extrema-direita. Quando Retrato do Artista… saiu, Thomas era o mais famoso poeta inglês vivo. O seu segundo livro vendeu em dois meses o mesmo número de exemplares que os de Auden vendiam em dez anos. Vítima de alcoolismo, a morte aos 39 anos impediu que escrevesse um romance à altura da obra de poeta. Cinco estrelas.

Escrevo ainda sobre A Mulher da Lama de Joyce Carol Oates (n. 1938), de novo a contracorrente da ficção dominante. A história traumática de Meredith Ruth Neukirchen, ou M.R., a mulher que no romance é escolhida para dirigir uma universidade da Ivy League, subsume várias das obsessões da autora: abuso, poder, identidade, questões de género, psique feminina. Meredith veio do outro lado do espelho: resgatada da lama (em sentido literal: a mãe, louca, queria esconder a filha de Satã) por um caçador, cresce em casa dos Skedd, uma família de acolhimento. Mas quem é ela, afinal? Jewell Kraeck, a rapariguinha salva pelo Rei dos Corvos? Jedina, aquela que não escapou? (Os nomes estão trocados porque Jewell assumiu a identidade da irmã mais nova.) Ou Meredith Ruth, a jovem adoptada pelos Neukirchen que se tornaria uma académica de créditos firmados? Foram eles, os Neukirchen, quem lhe mudou o nome. O plot intercala passado e presente: lama e luz. Meredith Ruth vive em permanente mnemónica. O presente impõe o seu cortejo de horrores quotidianos, tais como doenças e guerra. O passado é é muito longe. Quatro estrelas. Publicou a Sextante.