Hoje na Sábado escrevo sobre A Sangue-Frio, a obra-prima de Truman Capote (1924-1984) que está de volta às livrarias cinquenta anos após a sua publicação. Aquilo que podia ser uma mera reportagem, como outras que se publicaram no ano do crime, transformou-se num romance de não-ficção, uma contradição nos termos. Capote ficcionou algumas passagens da tragédia de Holcomb mas, no essencial, o livro respeita o guião da matança de 1959, ou seja, o bárbaro assassinato de Herbert Clutter, um rico fazendeiro metodista, sua mulher, a filha de 16 anos e o filho de 15. O autor transferiu-se de Nova Iorque para o Kansas, onde, além de entrevistar polícias e habitantes da localidade, privou na cadeia com Perry Smith e Richard Hickock, os assassinos, executados por enforcamento em Abril de 1965. Em 1966, quando saiu A Sangue-Frio, Capote tinha já publicado uma dúzia de livros, entre eles duas obras que fizeram dele uma referência da ficção americana do século XX: Outras Vozes, Outros Lugares (1948) e A Harpa de Ervas (1951). O relato da matança de Holcomb operou uma guinada na escrita do autor, ao mesmo tempo que deu azo a uma série de rumores nunca devidamente esclarecidos, como por exemplo o grau de intimidade a que Capote teria chegado com Perry Smith durante os encontros na cadeia. O ambicionado e esperado Pulitzer não caiu no seu colo alegadamente pelas conjecturas em torno da natureza dessas relações. O livro segue o protocolo de uma reportagem, atendo-se aos factos sem curar de os “polir” literariamente. Os protagonistas são Smith e Hickock, os matadores. O perfil de ambos é descrito com minúcia e, pode-se dizer, empatia, embora a investigação policial (e subsequente julgamento) não seja descurada. Por seu turno, o retrato de Mr. Clutter não podia ser mais impressivo. Capote levou seis anos a dar o livro à estampa, mas o resultado é uma obra de culto, um clássico da ficção de língua inglesa. A história serviu de base a documentários, séries de televisão e três filmes, sendo os mais conhecidos Capote (2005), de Bennett Miller, e Infamous (2006) de Douglas McGrath, indiscutivelmente o melhor de todos. Cinco estrelas.
Escrevo ainda sobre Moonlight Mile/A Última Causa, do americano Dennis Lehane (n. 1965). Com vários livros publicados em Portugal, entre eles a obra-prima Mystic River, que Clint Eastwood levou ao cinema, o autor privilegia os temas associados às famílias disfuncionais. Os seus thrillers distinguem-se pela minuciosa radiografia da criminalidade em contexto de sociedade pós-industrial. A escrita ágil faz o resto. Moonlight Mile, agora traduzido, encerra a série dos detectives Patrick Kenzie e Angie Gennaro. Dos seis títulos que a compõem, apenas Sacred continua inédito em português. Quem leu Gone, Baby, Gone (1998), verifica logo que Moonlight Mile é uma sequela desse romance. Estamos de novo em Boston, local de eleição do autor. Patrick e Angie são agora casados e pais de uma criança, facto que os leva a encarar o segundo desaparecimento de Amanda McCready como algo que lhes diz duplamente respeito. Amanda já não tem quatro anos, tem dezasseis. O desenlace da investigação anterior deixou-os de rastos: a rapariguinha foi encontrada, mas devolvida a um lar de risco. É preciso de impedir que aconteça de novo. Factor decisivo: em doze anos, o mundo é outro. Quatro estrelas. Publicou a Porto Editora.