quinta-feira, 28 de julho de 2016

JULIAN BARNES


Hoje na Sábado escrevo sobre O Ruído do Tempo, de Julian Barnes (n. 1946), autor que nos últimos dezasseis anos publicou quatro romances, uma colectânea de contos, um volume de memórias e outro de ensaios sobre arte. As memórias e os ensaios (Courbet, Fantin-Latour, Degas, Bonnard, Magritte, Braque, etc.) foram os temas que o absorveram depois da morte da mulher, a agente literária Pat Kavanagh. Agora chegou este novo romance, sobre o compositor russo Dmitri Chostakovich. Trata-se portanto de um romance biográfico, circunstância que não preocupa o autor nem defrauda o leitor: «Todos os romances são biográficos», disse Barnes, e o senhor de La Palice não diria melhor. A tal respeito, a Nota do Autor é de meridiana clareza. Chostakovich, o mais importante compositor da era soviética, foi um joguete nas mãos de Estaline. Logo em 1936, antes de completar trinta anos, uma ópera sua, Lady Macbeth de Mtsensk, aclamada de Nova Iorque a Buenos Aires, mas também em Moscovo e Leninegrado, desagradou ao Grande Pai da Nação. Estaline abandonou o teatro e, no dia seguinte, o Pravda deu à estampa um violento editorial: «Chinfrim em vez de música», anti-ópera para degenerados, etc. A catilinária fora redigida pelo próprio Estaline? A ortografia parecia corroborar… A partir dali, Lady Macbeth de Mtsensk seria proscrita. Chostakovich, que já vira amigos seus serem presos e fuzilados, não tinha ilusões. Com o propósito de «destruir a asfixia burguesa, o Partido tomara conta dos assuntos culturais. O editorial do Pravda tinha de ser lido como um mandado judicial. Dali aos interrogatórios da NKVD foi um passo. Em 1948, por ordem de Estaline, Chostakovich vai a Nova Iorque participar no Congresso Cultural e Científico para a Paz Mundial. Stravinski, o seu ídolo, era o alvo a abater. Recebido com empatia por punhado de intelectuais americanos («a colher de mel numa barrica de alcatrão»), a humilhação da entrevista colectiva do Waldorf Astoria foi um golpe fatal. Barnes faz um retrato extremamente subtil do compositor. Veja-se o encontro com Akhmátova. Descritos com aparente parcimónia, os anos de chumbo avançam e recuam graças à criteriosa inserção de flashbacks. A música redime tudo? Quatro estrelas.

Escrevo ainda sobre Bicha, de William S. Burroughs (1914-1997), que antes de ser escritor teve várias profissões, entre elas a de exterminador de baratas e percevejos. A seguir foi barman e outras coisas. Este homem, oriundo de famílias patrícias, neto do inventor das máquinas de calcular e escrever, formou-se em Harvard e depois foi para Viena fingir que estudava medicina. Homossexual, heroinómano desde a adolescência, dissidente da Cientologia, praticante do cut-up dadaísta, deixou uma obra extensa (ficção, ensaio) onde se destaca o romance Festim Nu, publicado em 1959. Bicha, agora traduzido, teve uma primeira versão (1952) nunca publicada. O que lemos é a versão de 1985. Oliver Harris serve-se da introdução para explicar que o livro não é consequência do assassinato da segunda mulher de Burroughs. (Em 1951, numa festa, Burroughs matou-a com um tiro no rosto. Se era para imitar Guilherme Tell, como disse à polícia, teve azar.) Foi para o México, porque sim. O livro é uma narrativa desordenada sobre o quotidiano de um homossexual freak. Em apêndice datado de 1985, Burroughs dá conta dos anos passados no México, e essa parte é a melhor do livro. Uma estrela. Publicou a Quetzal.