Hoje na Sábado escrevo sobre Viagem a Itália, de Goethe, obra que João Barrento traduziu, prefaciou e anotou. Trata-se do diário da viagem que o autor fez a Itália, em segredo e incógnito, entre Setembro de 1786 e Maio de 1788. Originalmente publicada em duas partes, em 1816 e 1817, foi a partir da edição de 1829, Italienische Reise, em três partes, que foi traduzida a presente edição. Deve ser lida como relato autobiográfico daquele período da vida do homem que estabeleceu as bases do drama romântico alemão, escreveu poemas, romances, contos, peças de teatro, memórias, ensaios, obras científicas, etc., tendo em simultâneo ocupado cargos de relevo na Administração Pública de Weimar. Nascido em Frankfurt em 1749, no seio de uma família patrícia, Johann W. Goethe estudou Direito em Leipzig e, aos 25 anos, era famoso. Seria depois do regresso de Itália e da publicação de algumas das suas obras mais conhecidas (como por exemplo o romance epistolar A Paixão do Jovem Werther, de 1774) que tomaria parte nas campanhas contra a França. Amigo de Schiller, com quem participou no movimento Sturm und Drang, tornar-se-ia o mais destacado autor da moderna literatura alemã, evidência tonitruante à data da sua morte (1832), por força, sobretudo, do Fausto. Viagem a Itália regista o percurso entre as termas de Karlsbad e Nápoles, com regresso a Weimar ao fim de vinte meses de estadia em Trento, Verona, Pádua, Veneza, Ferrara, Florença, Assis, Roma, Palermo e outras cidades. Levada a cabo de forma quase clandestina, a viagem inscreve-se num imperativo (da aristocracia e da burguesia culta) do Século das Luzes: conhecer o solo de Horácio, Petrarca e Leonardo. Lido o diário, podemos intuir o peso dessa experiência nas preocupações de Goethe. João Barrento cita Emil Staiger para sublinhar a «metamorfose que quase põe em perigo a unidade da pessoa do autor na nossa imaginação…» Será por excesso de clareza na prosa? Além das indispensáveis notas, o volume inclui em apêndice um estudo sobre o Carnaval Romano, ilustrado com vinte gravuras coloridas a partir de desenhos de Johann Georg Schütz. Cinco estrelas.
Escrevo ainda sobre O Coro dos Defuntos, de António Tavares (n. 1960), dramaturgo, romancista e ensaísta, o mais recente laureado com o Prémio LeYa. A partir de uma aldeia remota, lugar simbólico, António Tavares faz o retrato cinzento dos últimos anos do Estado Novo: «Durante os jogos olímpicos, numa cidade alemã, foram mortos vários atletas israelitas. A caixa mágica relatava as coisas sem emoção e permitia que se abatesse um gélido silêncio sobre quem ouvia.» Isenta de proselitismo anti-fascista, a narrativa é clara no propósito de denúncia da ditadura e do atavismo cultural. Certo didactismo, como por exemplo na explicação das palavras “novas” (novas naquele meio e naquele tempo), desacelera a fluência do plot mas não belisca o resultado final de um romance que se lê com satisfação. Em clave de homenagem a Aquilino Ribeiro, o uso de vocábulos caídos em desuso justifica as nove páginas do glossário que fecha o volume. Três estrelas. Publicou a LeYa.