Gosto de memórias, com os seus lapsos, um buraco aqui, outro ali, zonas de sombra, o foco de luz onde queremos que esteja. Memória é olhar para fora, para os outros, para as coisas. Jorge Silva Melo já escreveu as suas, Século Passado, livro magnífico que a Cotovia publicou em 2007. Agora, nos 20 anos dos Artistas Unidos, fez um filme como se fosse uma carta, monólogo belíssimo sob o olhar vivo de João Pedro Mamede. São Luiz a rebentar pelas costuras para seguir uma vida. Os Verdes Anos, Manuel Wiborg, António, Um Rapaz de Lisboa, Glicínia Quartin, cinemas de bairro, cinemas de estreia (sim, eram coisas diferentes), Walsh, Minnelli, o snack-bar Pic-Nic, Lia Gama, Mário Dionísio, desenhos de Jorge Martins, a Papelaria Progresso transformada por Conceição Silva, Luís Miguel Cintra adolescente, Andreia Bento, o Bloco das Águas Livres de Teotónio Pereira, Ivo Canelas, Álvaro Lapa lembrando a humilhação, a Fronda dos estudantes nos idos de 60, Rúben Gomes, a carta aberta que Medeiros Ferreira escreveu ao povo português na véspera de partir para o exílio (não sei se os detractores do AO90 deram pelo regimen, pelo sòmente, etc., que pontuam o texto de 1968), Américo Silva, A Capital, E Depois (Bal-Trap), Roma, Spiro Scimone, Maria João Luís, poetas amados nas capas do Escada, work in progress de Sofia Areal, João Perry, tantos que lá estão. Deixo a Luiza para o fim, Luiza Neto Jorge, maior entre as maiores, franzina, outsider da resistência de salão, tão injustamente esquecida. Foi ela que nos disse que «o poema ensina a cair». Esqueço gente. Esquecemos sempre. Vai haver DVD? Devia.