quinta-feira, 24 de junho de 2021

SEIS ESCOLHAS


Hoje na Sábado

Começar pelo princípio: Marilynne Robinson (n. 1943), voz maior da literatura norte-americana, está de volta com Jack. Com acção em Gilead, a cidade que empresta o nome ao título do romance que a fez vencer o Pulitzer de Ficção em 2005, o livro conta a história de Jack Boughton, filho “problemático” de um pastor presbiteriano. Já o conhecemos de Gilead, Home e Lila, os romances anteriores da tetralogia. O ponto crítico está na ligação amorosa de um homem branco com uma mulher negra, na América dos anos 1950. Ser professora e filha de um bispo metodista influente na comunidade negra não isenta Della Miles dos interditos da lei. Mas a vexata quaestio nem sequer reside aí. Para Marilynne Robinson, a questão central é pôr em pauta o tipo de país em que a América se transformou. O dilema de Hamlet paira como uma sombra nas discussões “teológicas” de Jack e Della. Notável. Publicou a Relógio d'Água.

Finalmente podemos ler Luto em português. Trata-se do romance mais traduzido e premiado do guatemalteco Eduardo Halfon (n. 1971), judeu mizrahim que nos faz mergulhar no horror de um país destroçado pela guerra civil. No Verão de 1981, antes de completar dez anos, o narrador muda-se com os pais para os Estados Unidos. O relato será feito a partir da Flórida, a pretexto da memória de um tio que nunca conheceu: «Chamava-se Salomón. Morreu aos cinco anos, afogado no lago Amatitlán.» Filtrada pelas raízes familiares — polacas por parte da mãe, libanesas do lado paterno —, a escavação do passado expõe o conflito entre culpa e curiosidade. Publicou a Dom Quixote.

A Trilogia da Cidade de K. traz de volta os livros mais famosos de Agota Kristof (1935-2011), a escritora que fugiu para a Suíça após o fracasso da Revolução Húngara de 1956. Radicada em Neuchâtel, tornou-se cidadã helvética e publicou a obra em francês. Reunidos em volume único, O Caderno Grande (1986), A Prova (1988) e A Terceira Mentira (1992) contam a história de dois gémeos amorais, vítimas da guerra e toda a espécie de iniquidades. Escrito em capítulos muito curtos, O Caderno… suscitou controvérsia quando foi publicado, dando origem a um processo judicial (as cenas de sexo e crime foram consideradas pornográficas). Os outros dois romances têm uma estrutura mais convencional, desdizendo, cada um a seu modo, as “verdades” do Caderno… Publicou a Relógio d'Água.

Sessenta anos após a sua primeira publicação, Chamada Para o Morto volta às livrarias, desta vez com uma introdução escrita para assinalar a data pelo próprio John le Carré (1931-2020). O livro marca o “nascimento” de Smiley, o espião improvável com quem Le Carré cresceu e amadureceu. Chamada Para o Morto é o primeiro de nove romances centrados na figura desse erudito da cultura alemã que fará dos serviços secretos a sua razão de vida (a mulher, Lady Ann Sercomb, trocou-o por um piloto cubano de Fórmula Um). O plot gira em torno do alegado suicídio de Samuel Fennan, funcionário do Foreign Office britânico. Foi o primeiro, mas já era vintage. Publicou a Dom Quixote.

Condensar a história inglesa entre o século V e o fim dos anos 1990 numa síntese rigorosa, foi o que fez Simon Jenkins (n. 1943) ao escrever esta Breve História de Inglaterra. Em menos de quatrocentas páginas, o autor faz um tour d’horizon deveras estimulante, que nos leva da Alvorada Saxónica ao legado de Thatcher, dissecando temas tão importantes como a Reforma religiosa (o conflito com o Papa) ou o Estado-Providência criado em 1945. A obra inclui uma cronologia de datas-chave, bem como a lista de todos os soberanos e primeiros-ministros do Reino Unido. Publicou A Esfera dos Livros.

A morte de Marcelino da Mata, controverso oficial dos Comandos, acordou velhos fantasmas da Guerra Colonial. Um deles, porventura o mais polémico, foi a invasão falhada da Guiné-Conacry, em Novembro de 1970. Efectuado por via marítima, o golpe visava capturar Amílcar Cabral, líder do PAIGC, libertar prisioneiros portugueses, levar os oposicionistas de Sékou Touré ao poder, e destruir os caças russos Mig. Operação Mar Verde, de António Luís Marinho, expõe os factos com exemplar minúcia: Amílcar Cabral não foi encontrado, não havia Migs no aeroporto de Conacry, os oposicionistas da FLNG não conseguiram eliminar Sékou Touré. Portugal desmentiu tudo. Prefaciado por Guilherme Alpoim Calvão, responsável pela tentativa desse coup d'État, o volume inclui dezenas de fotografias, índice onomástico e, em anexo, documentação militar. Um documento para a História. Publicou a Temas & Debates.

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