domingo, 16 de agosto de 2020

RITZ & SILLY SEASON


A pandemia não acabou com a silly season. Este ano as televisões apostaram no ‘faça férias cá dentro’ em formato publicitário. Restaurantes do Portugal profundo, resorts exclusivos que há seis meses não queriam saber dos portugueses para nada, empresas de turismo fluvial, e por aí fora.

Ontem, a TVI dedicou largo espaço ao Ritz de Lisboa, que reabriu no passado dia 1 após quatro meses de encerramento.

Não me lembro de ter ouvido nenhuma referência a Pardal Monteiro, o arquitecto que desenhou o hotel inaugurado há 60 anos. Estamos a falar do arquitecto do Instituto Superior Técnico, da Biblioteca Nacional, da Reitoria e das Faculdades de Direito e de Letras da Universidade de Lisboa, do Instituto Nacional de Estatística, da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, da Estação Ferroviária do Cais do Sodré, do edifício onde funcionou (entre 1940 e 2016) o Diário de Notícias, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, do Hotel Tivoli, etc. Dito de outro modo, do arquitecto que fixou a imagem da Lisboa moderna. Qualquer das obras mencionadas faria boa figura em Berlim, Londres, Paris, Madrid e qualquer outra cidade europeia. Só me recordo de ouvir dizer: «O hotel ocupa um quarteirão inteiro... nestes corredores cabe um carro... » Se for um Smart cabem dois, diria eu.

Também não me recordo de ouvir referir o nome de nenhum dos artistas (e são dezenas) com obras espalhadas pelo átrio, paredes, salões, galerias, bar, restaurante, escadarias e quartos. Assim de repente, lembro-me de Almada Negreiros, cujas tapeçarias são uma das imagens de marca do hotel, Sarah Afonso, Carlos Botelho, Querubim Lapa, Sá Nogueira, Lagoa Henriques, Jorge Vieira, Carlos Calvet, Martins Correia e Bartolomeu Cid dos Santos. Mas sobram muitos, muitos mesmo. São poucos, em Portugal, os lugares em que a arte portuguesa está representada a este nível.

Alguém devia ter dado uma cábula ao autor da peça. É curto dizer que o hotel aproveitou o confinamento para «fazer barulho», metáfora usada para as obras de remodelação dos terraços e renovação total do restaurante Varanda «a caminho de uma estrela Michelin» e de todos os quartos.

Não tenho nada contra a publicidade, neste caso focada na certificação Clean and Safe. Mas o essencial ficou de fora. E tanto que havia para dizer.

Na imagem, a sala que serve de antecâmara do restaurante. Clique.