quarta-feira, 12 de junho de 2019

SEIS. PORQUE SIM.


Hoje, na Sábado, um apanhado de escolhas pessoais. Quem gosta de ler fica bem servido. Que melhor ocasião para falar de vários livros de uma assentada senão o período da Feira? 

Escolhi seis, todos com justa causa. Chico Buarque, o mais recente vencedor do Prémio Camões, regressa com Tantas Palavras, volume que reúne as letras de todas as canções. Regresso a Reims, de Didier Eribon, é um amargo ajuste de contas. A reedição de O Nu na Antiguidade Clássica, de Sophia de Mello Breyner Andresen, surge no ano das celebrações do centenário da autora. Less, de Andrew Sean Greer, recebeu o Pulitzer de Ficção 2018. A Morte é um Acto Solitário, um thriller de Ray Bradbury, mantém-se aliciante. Last but not least, Serotonina, de Michel Houellebecq, traz de volta o único romancista francês contemporâneo capaz de ombrear com os mais notáveis dos seus pares noutros idiomas.

Compositor, letrista, cantor, ficcionista e dramaturgo, o brasileiro Chico Buarque (n. 1944) reuniu em Tantas Palavras as letras escritas entre 1964 e 2017. Pretexto para recordar Cálice, hino de protesto contra a ditadura militar, proibido durante cinco anos: «Como é difícil acordar calado / Se na calada da noite eu me dano…» O songbook inclui portofolio fotográfico e uma reportagem biográfica feita pelo jornalista Humberto Werneck. O livro foi lançado em 1989, com o título Chico Buarque: Letra e Música, mas foi revisto e actualizado para esta nova edição. Quatro estrelas. Editou a Companhia das Letras.

Chegou finalmente a Portugal o polémico Regresso a Reims, autobiografia do sociólogo francês Didier Eribon (n. 1953), biógrafo de Foucault. A partir das suas origens proletárias, Eribon analisa as relações no seio da família, a vergonha social, a construção de identidades e, tema central, a traição de classe: «uma parte de mim que eu tinha recusado». Mas também algumas razões que levaram os operários franceses a trocar o Partido Comunista por Le Pen. A morte do pai serve de pretexto à catarse. Homossexual assumido, teórico da cultura gay, o autor regressa aos lugares da infância e adolescência para desatar o nó górdio dos equívocos. Não é amável. Cinco estrelas. Editou a Dom Quixote.

Os leitores de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) que não tenham lido O Nu na Antiguidade Clássica, ensaio que fixa a visão da autora sobre a Grécia, têm agora oportunidade de o fazer, com uma vantagem suplementar: o volume inclui uma antologia de poemas sobre a Grécia e Roma, organizada por Maria Andresen de Sousa Tavares. Seria pleonástico sublinhar a excelência do texto e dos poemas. Diversa iconografia ilustra a obra. Cinco estrelas. Editou a Assírio & Alvim.

As idiossincrasias da vida literária e os empecilhos da meia-idade são os temas de Less, o romance mais recente de Andrew Sean Greer (n. 1970). Nenhum deles é novo em literatura, mas o registo humorístico soa a novidade. Brincando com a sua própria carreira por interposto Arthur Less, o anti-herói (um escritor gay, obscuro, à beira de completar 50 anos), Greer questiona os mecanismos de legitimação dos seus pares. Podia ter sido um tiro no pé, mas saiu-lhe o Pulitzer. Três estrelas. Editou a Quetzal.

A maioria dos leitores continua a associar o nome de Ray Bradbury (1920-2012) a Fahrenheit 451, romance distópico a partir do qual Truffaut fez um filme mítico. Mas quem gosta de policiais à moda antiga deve ler A Morte é um Acto Solitário. Tem crimes por decifrar, um detective chamado Elmo Crumley e uma série de personagens bem esgalhadas. Tudo se passa nos anos 1940, em Venice, o subúrbio de Los Angeles onde o autor vivia nessa época. Quatro estrelas. Editou a Cavalo de Ferro.

No tom desbocado que fez a fortuna da obra e a lenda do autor, o último romance de Michel Houellebecq (n. 1956), Serotonina, elege a decadência europeia como razão de todos os males. O protagonista é um engenheiro agrónomo, francês, dependente de antidepressivos, cuja namorada, japonesa, frequenta «serões libertinos» registados em vídeos escabrosos. O conceito de elevador social é ilustrado por um imigrante português, Joaquim da Silva, outrora pedreiro, actual proprietário de uma tabacaria bem localizada, ou seja, um privilegiado face aos agricultores franceses. Houellebecq está longe do seu melhor, mas continua a honrar as tradições da literatura. Três estrelas. Editou a Alfaguara.

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