sábado, 16 de junho de 2018

ÉTICA, DIZEM ELES

No 11 de Setembro, os media americamos fizeram um pacto: respeito pelas vítimas, familiares e amigos das vítimas; respeito pelos leitores e, portanto, pela profissão de informar. Nenhum jornal publicou fotografias de pedaços de corpos despedaçados ou queimados: mamas abertas ao meio, um braço, uma tíbia, um pé, uma cabeça, troncos separados dos membros inferiores, o horror de gente atirar-se para o vazio antes da derrocada final. E são aos milhares. Uma criteriosa selecção desse acervo de pesadelo consta do álbum de grande formato (31x22cm), cerca de novecentas páginas, e muitos quilos, editado pela Scalo em 2002, com o patrocínio da Volkart Foundation. Um documento para os vindouros: Here is New York. A democracy of photographs.

Vem isto a propósito de quê?

Hoje, a capa do Público ultrapassa todos os limites da decência. Pedrógrão Grande foi uma tragédia, com certeza. Querem fazer dela instrumento político? É simples: fundam um partido e concorrem às eleições. Basta de agitprop à custa de algumas famílias destroçadas.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

MANAFORT FOI DENTRO

Por decisão de Amy Berman Jackson, juiza do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Columbia, o advogado Paul Manafort, ex-director de campanha de Trump, deu hoje entrada na cadeia, acusado de obstrução à justiça.

Manafort aguardava julgamento em prisão domiciliária, sob fiança de dez milhões de dólares. Porém, promotores da equipa de Robert Mueller (o antigo director do FBI que, desde Maio de 2017, exerce o cargo de Procurador Especial para o caso da alegada interferência russa nas presidenciais americanas de 2015) provaram que Manafort tentou, já este ano, manipular testemunhas do processo.

Sob custódia desde 30 de Outubro de 2017, Manafort é também acusado de ter feito lobby a favor de Viktor F. Yanukovych, o antigo presidente ucraniano pró-russo.

CANNABIS

Com os votos favoráveis do PSD, PS, BE, PCP, PEV e PAN, o Parlamento aprovou hoje de manhã a utilização de cannabis para fins medicinais. O CDS absteve-se. O diploma aprovado em votação final global subsume os projectos do BE e do PAN. O Infarmed supervisionará os medicamentos feitos com cannabis, e terá de ser um médico a prescrever.

AQUARIUS, AGAIN

Se tudo correr bem, os 629 imigrantes que estavam a bordo do Aquarius chegarão a Valência no próximo domingo. Espanha ofereceu-se para os receber porque o Aquarius permanecia à deriva junto ao limite das águas territoriais italianas. Mas não os vai aceitar como residentes. Magdalena Valerio, ministra do Trabalho, Migrações e Segurança Social, já desautorizou Mónica Oltra, assessora do PSOE com o pelouro da Igualdade e Políticas Inclusivas, que tem falado como se os 629 imigrantes tivessem garantida a condição de refugiados. Nada disso, esclareceu a ministra. Os embarcados serão enviados para um centro de acolhimento (e para hospitais os que estão doentes) controlado pelas autoridades migratórias, onde cada um será avaliado em função de diversos parâmetros. Para a larga maioria, Valência será uma escala antes do regresso ao país de origem. É evidente que, com o bruá do Mundial, os imigrantes vão ser devolvidos à Líbia num ápice.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

PARLAMENTO EUROPEU

Um dos receios do Brexit era a diminuição das quotas nacionais de deputados no Parlamento Europeu. Portugal continuaria com 21 lugares? Como as eleições são em Maio de 2019, dois meses depois da saída formal do Reino Unido (na prática tudo funciona já como se os Estados-membros fossem apenas 27), havia que aprovar o novo quadro. Aconteceu ontem: por 566 votos a favor, 94 contra e 31 abstenções, foi aprovada em votação final global a composição do Parlamento Europeu pós-Brexit. Com a saída dos brits, o Parlamento que vai a votos no próximo ano reduz de 751 para 705 os seus deputados, mas Portugal mantém a quota de 21. Lembrar que Pedro Silva Pereira, vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do PE, viu a sua proposta aprovada sem qualquer alteração.

LÍDIA & BUZZATI


Hoje na Sábado escrevo sobre Estuário, de Lídia Jorge (n. 1946). Tendo a ficção portuguesa sofrido uma guinada quando a autora publicou o primeiro livro, é bom verificar que, ao fim de 38 anos, a obra permanece incólume. O título mais recente mantém a pujança inaugural. Dominando na perfeição todos os recursos narrativos, Lídia Jorge constrói o romance a partir da figura de Edmundo Galeano, um jovem regressado do inferno de Dadaab, um dos campos de refugiados que o ACNUR mantém no Quénia, lá onde «o passado estava a extinguir-se e o futuro surgia com a configuração deprimente de uma civilização alimentada de pó.» Edmundo voltou com a mão direita praticamente reduzida ao indicador, mas nem por isso deixou de querer escrever um livro sobre o quotidiano atroz desses povos desapossados. A maior dificuldade era mesmo como chamar-lhe. A autora é muito hábil na forma como ilustra o contraponto das premências. De um lado, os equívocos da ajuda humanitária. Do outro, o desajuste das famílias. No plot, leva a melhor o lado da guerrilha familiar, cada irmão cada pulsão, segredos, mentiras, dribles e compromissos, a Titi entre uma cadeira e a cama, o velho armador em vias de perder os dois navios que restavam, o primogénito cheio de si, a mana azarada, o advogado falido e o cavalo Imortal, mais os outros todos. É uma família portuguesa, com certeza. Acerca de nós todos já a autora provou saber. Sirvam de exemplo dois romances sintomáticos: O Dia dos Prodígios (1980), parábola do desencontro entre o país rural e a ‘vanguarda abrilista’, e A Costa dos Murmúrios (1988), sobre sequelas da guerra colonial em Moçambique. O regresso de Edmundo à casa do Largo do Corpo Santo, no Cais do Sodré, onde o pai acabaria por enforcar-se, coincide com o desmoronar da família Galeano: os navios fundeados em Abidjan foram arrestados, Sílvio vendeu o iate BlowUp, tudo rui à volta deles. Só o livro continua por escrever. Talvez por isso surjam, como tentames literários, excertos truncados da Ode Marítima, de Fernando Pessoa, da Ilíada, o poema épico atribuído a Homero, e de uma citação de Philippe Jaccoter. Cinco estrelas. Publicou a Dom Quixote.

Escrevo ainda sobre Sessenta Contos, de Dino Buzzati (1906-1972). A Cavalo de Ferro traz de novo o autor à edição portuguesa. Sessenta Contos, a famosa colectânea de 1958, é uma excelente oportunidade para dar a conhecer um nome incontornável da literatura italiana. Autor de romances, contos, libretos de ópera, peças de teatro, crónicas e poemas, Buzzati tornou-se mundialmente conhecido quando publicou O Deserto dos Tártaros. Os contos aqui reunidos foram extraídos de três obras: Os Sete Mensageiros (1942), Pânico no Scala (1949) e A Derrocada da Baliverna (1954). Buzzati tão depressa salta do surrealismo para a antecipação científica, como do realismo mágico para o existencialismo. Era Proibido é um dos textos mais conhecidos: «Desde que a poesia foi proibida, a vida é certamente muito mais simples entre nós […] A produtividade é a única coisa que verdadeiramente interessa…» A lembrança do totalitarismo mussoliniano permaneceu viva na memória do autor, que foi correspondente de guerra na Etiópia e na Itália antes de ganhar notoriedade como jornalista de crimes e suicídios, mas também como crítico de arte. O resultado são estes contos tão diferentes entre si. Cinco estrelas. Publicou a Cavalo de Ferro.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

PSOE MUDA MINISTROS


Màxim Huerta demitiu-se hoje de ministro da Cultura de Espanha. Motivo: entre 2006 e 2008 defraudou o fisco em 257 mil euros. Homossexual assumido, Màxim Huerta, 46 anos, é o tipo de provocador e intelectual público com tribuna nas redes sociais.

Sánchez já o substituiu por José Guirao, 59 anos, actual director-geral da Fundación Montemadrid, e antigo gestor do Centro de Arte Reina Sofía (1994-2001) e da Casa Encendida (2002-14).

Nas imagens, Huerta de casaco azul, Guirao de casaco caqui.

JUSTIÇA FRANQUISTA?


Iñaki Urdangarin, 50 anos, campeão olímpico de andebol, cunhado do rei de Espanha, já está em Palma, onde cumprirá 5 anos e 10 meses de prisão. O antigo duque de Palma (o título foi-lhe retirado quando os tribunais deram como provado o seu envolvimento em desvios de dinheiro), que tem vivido em Genebra desde que o escândalo rebentou, tem agora cinco dias para entrar na prisão. Não se sabe se a infanta Helena e os quatro filhos continuam na Suíça.

Em Portugal, um homem como Urdangarin nunca seria preso. Portanto, quem gosta de classificar a justiça espanhola como franquista, devia olhar à sua volta.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

TWILIGHT ZONE


Quatro horas passadas desde o gesto de boa-vontade de Sánchez, o Aquarius, navio fretado pela SOS Mediterranee (Médicos Sem Fronteiras) que estava à deriva no Mediterrâneo com 629 imigrantes a bordo, continua parado junto ao limite das águas territoriais italianas. Há jornalistas a bordo: a fotografia que junto é uma das muitas que Oscar Corral fez. Aparentemente, a organização não está interessada em seguir para Espanha. Itália, ou nada. O desembarque em Valência punha ponto final no problema. Isso interessa?

Clique na imagem de El País.

AQUARIUS EM ESPANHA


Por razões humanitárias, o Governo espanhol decidiu acolher o navio Aquarios, fretado pela SOS Mediterranee, que estava à deriva no Mediterrâneo com 629 imigrantes a bordo. Valência será a cidade de acolhimento. A decisão de Sánchez reage à proibição decretada pela Itália e por Malta.

Clique na foto de Oscar Corral, para El País.

IMOBILIÁRIO

Há mais de um ano que os jornais especulam com a bolha imobiliária nacional. Sucede que, fora das páginas especializadas de economia, o imobiliário é um não-assunto. Os jornais publicam anúncios de venda de casas como se fossem notícias. Hoje, no Diário de Notícias, o descaramento é tão gritante que dá que pensar.

A publicidade encapotada não foi inventada ontem. Nem a manipulação do mercado. Mas devia haver mínimos de decência. Este tipo de manchetes e notícias serve exclusivamente os interessas das imobiliárias, em especial das três ou quatro que dominam o mercado. Criando a ilusão dos preços demenciais, julgam predispor a sociedade para o disparate. Não estou a dizer que não se fazem negócios absurdos. Claro que sim. Não faltam novos-ricos parolos e estrangeiros incautos. Mas a regra desmente o agitprop dos media.

AQUARIUS


Pela boca de Matteo Salvini, vice-presidente do Governo, a Itália proibiu a entrada do navio Aquarius nas suas águas territoriais. A bordo estão 629 imigrantes africanos, sendo 123 menores desacompanhados, onze crianças e sete mulheres grávidas. Luigi Di Maio, o outro vice-presidente, líder do 5 Stelle, tentou matizar a decisão, mas Salvini, líder da Liga, o partido de extrema-direita que integra a coligação, é para todos os efeitos o chefe do Governo. Giuseppe Conte, o tecnocrata que bateu com a porta mas depois voltou, chefia o Governo para UE ver (não esquecer que foi escolhido e imposto pela Liga). Salvini argumenta que a Itália não tem que aceitar o que Malta, a Espanha e a França não aceitam. A decisão não surpreende. As autoridades de Palermo, capital da Sicília, bem como as de Nápoles, estariam dispostas a receber o Aquarius, mas a Guarda Costeira já fez saber que cumpre ordens de Roma e apenas de Roma.

Clique na imagem de La Repubblica.