sábado, 20 de fevereiro de 2016

O SEXO INÚTIL


Este livro de Ana Zanatti chega às livrarias no próximo dia 23, antevéspera da sua apresentação nas Correntes de Escritas. Vai ser uma pedrada no charco, na medida em que dá a conhecer uma realidade escondida por quase todos: a violência exercida no seio da família sobre rapazes e raparigas que têm a coragem de assumir a sua identidade gay, em meios urbanos e classes letradas economicamente desafogadas. Estamos no coração da alta classe média de Lisboa, Estoril, Cascais, etc. Ana Zanatti compilou testemunhos e analisa casos extremos.

No prefácio, Viriato Soromenho-Marques escreve: «Este é um livro sobre o que de mais profundo vive no coração da condição humana. [...] Esta obra vai marcar profundamente muitas pessoas. Vai trazer-lhes luz, conforto e energia. Vai mudar muitas vidas. Talvez até ajudar a salvar vidas, que, sem a sua tonificante ajuda, se poderiam perder irreversivelmente

O posfácio é de Lídia Jorge. Ana Zanatti e a Sextante estão de parabéns.

FOLHETIM TAP

Ontem, a Autoridade Nacional da Aviação Civil chumbou a privatização da TAP nos moldes decididos pelo Governo PAF. Recordar que o contrato foi assinado às 23:30 de 12 de Novembro (ou seja, dois dias depois da queda do Governo de Passos Coelho), em reunião à porta fechada, que juntou Sérgio Monteiro com Neeleman & Pedrosa. A decisão da ANAC impõe um período de 90 dias durante os quais a administração da TAP fica limitada a gestão corrente. Consequência imediata: o empréstimo de 200 milhões de euros, a libertar para a semana, ficou bloqueado. Na sua deliberação, a ANAC considera haver desconformidade na estrutura de controlo societário, uma forma enviesada de dizer que Pedrosa não é (como os regulamentos europeus exigem) o sócio maioritário.

Até aqui, eu percebo. Mas faz-me muita confusão que tenham sido necessários três meses para chegar a esta conclusão. Dez dias seria um limite razoável.

Entretanto, a estrutura accionista mudou. A Gateway, representada por Neeleman & Pedrosa, abdicou de 16% do capital, passando a deter apenas 45%, em vez dos 61% de Novembro. O Estado absorveu 11%, que juntou aos 39% que não tinham sido vendidos, e os pilotos vão, em princípio, ficar com os restantes 5%.

No meio deste imbróglio, como irá reagir o grupo chinês HNA? A companhia Azul, de Neeleman, precisa com urgência do capital chinês porque a Barraqueiro não lhe pode acudir. Uma grande trapalhada.

UMBERTO ECO 1932-2016


Morreu ontem na sua casa de Milão o semiólogo e escritor italiano Umberto Eco, um dos últimos pensadores europeus. Tinha 84 anos. A fama planetária chegou em 1980, quando publicou o primeiro de sete romances, O Nome da Rosa, levado ao cinema por Jean-Jacques Annaud. A partir de 1962, ano em que publica Obra Aberta (um volume de ensaios), tornou-se um nome de referência nos estudos sobre estética. O essencial da bibliografia ocupa-se de semiologia, linguísta e estudos medievais. Não foi divulgada a causa da morte. Clique na imagem.

A foto é de Nuno Botelho, para o Expresso.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

HARPER LEE 1926-2016


Morreu hoje Harper Lee, a celebrada autora de To Kill a Mockingbird, o romance de 1960 que venceu o Pulitzer de Ficção. To Kill a Mockingbird ou, em Portugal, Não Matem a Cotovia, foi eleito em 1999 o melhor romance do século XX. Durante cinquenta e quatro anos tida como autora de um único livro, Lee publicou outro em 2014 (escrito nos anos 1950), inédito durante décadas: Vai e Põe Uma Sentinela. Tinha 89 anos. A causa da morte não foi revelada. Clique na imagem.

ESTRUTURA EXTINTA

Em Junho do ano passado, o Governo PSD-CDS criou uma estrutura para gerir todos os equipamentos culturais situados entre o alto da Ajuda e o Tejo. Dito de outro modo, para gerir o Centro Cultural de Belém, o Planetário Calouste Gulbenkian, o Mosteiro dos Jerónimos, os Museus dos Coches (o antigo e o novo), a Cordoaria Nacional, o Picadeiro da Escola Portuguesa de Arte Equestre, o Palácio de Belém, a Ermida de São Jerónimo, o Museu de Arte Popular, a Torre de Belém, a Gare Marítima de Alcântara, a Igreja da Memória, o Museu Nacional de Etnologia, o Museu de Marinha, o Jardim Botânico Tropical, o Jardim Botânico da Ajuda, o Palácio dos Condes da Calheta, o Palácio da Ajuda e outros.

Para presidir à referida estrutura nomeou António Lamas, presidente do CCB. A decisão foi tomada à revelia da Câmara de Lisboa. Fernando Medina não gostou da ideia e João Soares também não. Ontem, em conselho de ministros, o Governo extinguiu a coisa. António Lamas pode continuar a gerir o CCB, mas não passa dali. A gestão de planos estratégicos para a cidade é um competência da Câmara. Ponto.

UMBADÁ

Não conheço o Lara das heráldicas de lado nenhum. Mas descubro com espanto que as redes sociais (como sói dizer-se) entraram em transe porque Cavaco fez dele Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. E daí? É para mim uma completa surpresa o apreço que os portugueses nutrem por condecorações.

COSTA VS COSTA

Já todos sabemos que o Banco de Portugal é uma entidade independente. Mas a actuação do seu Governador, seja ele qual for, pode e deve ser questionada. O facto de o primeiro-ministro ter dito em público, em Lisboa e em Bruxelas, que não tem confiança nos procedimentos do BdP, em especial nos casos que envolvem o BES e respectivos lesados, o Novo Banco e o Banif, é a primeira batata quente a cair no colo de Marcelo. O histerismo com que o PSD tem reagido a essas declarações é um espectáculo indecoroso. Foi por isso muito oportuno que a TVI tivesse recordado ontem (com imagens eloquentes) o conflito que opôs Miguel Beleza, então Governador do BdP, a Jorge Braga de Macedo, o ministro das Finanças. Macedo disse de Beleza o que Mafoma não disse do toucinho. Pouco depois, Beleza bateu com a porta.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

SIC TRANSIT GLORIA MUNDI


Quando morreu, em Novembro de 2006, Mário Cesariny foi metido num gavetão anónimo do Cemitério dos Prazeres. Em vida, tinha manifestado vontade de ficar num jazigo. Dinheiro vivo não faltava. Cesariny, poeta e pintor (Grande Prémio EDP em 2002), tinha depositados, à data da sua morte, mais de um milhão de euros. Para ser exacto: 1.038.290,54 euros. Tendo o dinheiro sido deixado em testamento à Casa Pia, Catalina Pestana, então provedora, adquiriu um jazigo, que o escultor Manuel Rosa se prontificou a reabilitar. Rosa, que foi amigo e editor de Cesariny na Assírio & Alvim, e herdou os direitos da obra literária, é seu testamenteiro. Fez o projecto, que foi aprovado, mas a reabilitação nunca se fez porque a actual direcção da Casa Pia não está disponível para pagar 28 mil euros. Portanto, no ano do décimo aniversário da sua morte, Cesariny permanece num gavetão anónimo. Mais pormenores no Observador, que conta a história toda.

JAMES M. RUSSELL


Hoje na Sábado escrevo sobre Um breve guia para Clássicos Filosóficos, de James M. Russell. A tradução de Jorge Pereirinha Pires é correcta, mas o título soa estranho. Visto numa montra, é imediata a tentação de perguntar: e por que não um breve guia para… Clássicos de Filosofia? Uma vez lido, percebe-se. O enfoque de Russell ultrapassa os clássicos de filosofia tout court. Dois exemplos: nem O Estrangeiro (1942), de Camus, nem O Principezinho (1943), de Saint-Exupéry, são obras de filosofia. Contudo, Russell ocupa-se delas, e de mais sessenta e quatro, para estabelecer o fio condutor da tradição filosófica ocidental. Fê-lo com recurso a um largo espectro genológico: romances, livros infantis, ficção científica, etc. Nas sete secções em que o livro se divide, Russell analisa obras de autores tão importantes como (cito apenas metade) Platão, Aristóteles, Descartes, Hobbes, Hume, Kant, Hegel, Gödel, Wittgenstein, Kierkegaard, Dostoiévski, Kafka, Borges, Huxley, Blake, Levi, Rochefoucauld, Freud, Jung, Marx, Engels, Sartre, Adorno, Rawls, Gramsci, Barthes, Lacan, Althusser, Derrida, Lyotard, Foucault, Kristeva e Baudrillard. Russell é claro acerca do propósito do livro: «fornecer breves introduções aos clássicos filosóficos [de forma] o mais acessível possível [explicando] por que motivo cada um destes livros é importante, ou considerado como tal.» Estamos portanto em presença de um verdadeiro companion, de leitura acessível a toda a gente. As secções permitem agrupar os diferentes aspectos da tradição filosófica. Com excepção do texto de abertura, sobre Os Problemas da Filosofia (1912), de Bertrand Russell, os restantes estão listados por ordem cronológica. Cada um dos sessenta e seis textos é autónomo, tendo todos, a fechar, uma ficha de leitura, redigida quase sempre com uma nota de humor. Sirva de exemplo o abstract relativo ao Manifesto do Partido Comunista (1848), de Marx e Engels: «Ter de trabalhar para viver é uma chatice.» Em suma, uma obra imprescindível para avaliar a evolução do pensamento. O volume inclui índice remissivo. Quatro estrelas e meia.

Escrevo ainda sobre 1000 Frases de Vergílio Ferreira. No ano em que se comemora o centenário do autor (1916-1996), Luís Naves organizou um volume que abrange dezasseis temas: Amor, Arte, Autobiografia, Autores, Crença, Destino, Existência, Humanidade, Irrealidade, Melancolia, Memória, Mundo, Palavra, Portugal, Povo, Sabedoria. O antólogo rastreou os romances, os ensaios e o diário vergiliano, para nos dar o retrato do autor de Nítido Nulo. Não admira que Conta-Corrente e, em especial, a primeira série, seja a fonte primordial. Os seus oito volumes, milhares de páginas escritas contra o establishment, constituem a mais incisiva radiografia do milieu literário e, por arresto, do atavismo do país. É interessante notar que o diário surge (1980) no momento em que a ficção de Vergílio inflecte, fazendo pontaria ao eco do jornalismo cultural. Não admira que livros como Para Sempre (1983) e a sequela Cartas a Sandra (1996) estejam na origem da vacuidade daquilo que passa por ficção “nova”. Seria pedagógico replicar o modelo com outros autores. Três estrelas. Publicou a Quetzal, editora que está a reeditar a obra de Vergílio Ferreira.

DIOGO SEIXAS LOPES 1972-2016


Vítima de cancro, morreu hoje, com 43 anos, o arquitecto Diogo Seixas Lopes, filho de Maria João Seixas, antiga directora da Cinemateca Nacional, e do realizador Fernando Lopes. Entre as suas obras mais conhecidas contam-se a reabilitação do Teatro Thalia e a polémica torre de dezassete andares em construção na esquina da Avenida Fontes Pereira de Melo com o Jardim Augusto Monjardino. Diogo Seixas Lopes encontrava-se neste momento a preparar a próxima Trienal de Arquitectura de Lisboa. Além da obra arquitectónica, deixa um livro notável, Melancholy and Architecture, publicado no ano passado.