quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

IMPORTA ESCLARECER

A morte de um doente no Hospital de São José provocou três demissões: as de Luís Cunha Ribeiro, presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo; Teresa Sustelo, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central; e Carlos Martins, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte. As demissões fazem manchetes mas não explicam nada.

Importa esclarecer:

1. As chefias intermédias estavam de férias no estrangeiro?
2. O Hospital de Santarém desconhece que, aos fins-de-semana, o Hospital de São José (Lisboa) tem os serviços de Neurorradiologia de Intervenção suspensos desde 2013, e os de Neurocirurgia Vascular desde Abril de 2014?
3. Se não sabia, quem responde pela falta de informação?
4. Se sabia, por que razão enviou o doente para o Hospital de São José? Quem tomou a decisão? Porquê?
5. Após encontro com a tutela, Luís Cunha Ribeiro afirmou ontem, em conferência de imprensa: «Os centros hospitalares passam a conseguir tratar estes casos, independentemente da hora ou dia da semana
6. Nenhuma chefia intermédia conseguiu falar, no sábado, com Teresa Sustelo, CEO do hospital? Porquê?

Enquanto estas questões não forem esclarecidas, tudo não passa de tapar o sol com a peneira.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

DISCURSO DIRECTO, 32


Francisco Louçã, hoje no Público. Excertos, sublinhado meu:

«Ficámos este fim-de-semana pelo menos dois mil milhões de euros mais pobres, apesar de o comunicado seráfico do Banco de Portugal se ter esforçado por apresentar tudo como coisa normal. [...] Pode ainda acrescentar-se que, na realidade, a tramóia já vem de longe e que foi só por razões políticas que a questão do Banif foi escondida, nos termos de um acordo ou de uma concessão do governador do Banco de Portugal às conveniências eleitorais de Passos Coelho. [...] Na última semana, tudo piorou. Alguém lançou o boato da liquidação do bancoe desencadeou assim a corrida aos depósitos. Se não foi um comprador pretendendo tornar irreversível a pressão sobre os representantes do Estado, foi muito bem imitado. Entretanto, a crise exigiu centenas de milhões de euros de empréstimo de liquidez e o prazo para uma solução não podia ser adiado. Acresce finalmente que, por razões enigmáticas, a CMVM só no fim da semana suspendeu as acções em bolsa. Um ano de erros, uma semana de catástrofe. [...] O governador do Banco de Portugal, depois do BES e do Banif, não tira nenhuma conclusão sobre a degradação da confiança na banca, sob a sua liderança e nestes dois casos com a sua responsabilidade directa? [...]»

A imagem é do Público. Clique.

JAVIER CERCAS


Hoje na Sábado escrevo sobre O Impostor, do espanhol Javier Cercas (n. 1962), um dos nomes centrais da literatura em castelhano. Traduzido em dezenas de países, várias vezes premiado, colunista de El País, publicou no ano passado um livro inspirado na vida de Enric Marco, o presidente da Amical de Mauthausen (a associação de sobreviventes com sede em Barcelona), mas também secretário-geral da Confederação Nacional do Trabalho. O título diz tudo: O Impostor. Até ao momento de ser desmascarado, Enric, o anarco-sindicalista, construiu a biografia falsa que fazia dele um sobrevivente do campo nazi de Flossenbürg, permitindo-se publicar artigos sobre factos inventados na imprensa respeitável. Em 2005, quando o escândalo rebentou, a verdade veio à tona: a sua episódica passagem pela Alemanha tivera carácter voluntário, e nunca o regime de Franco o impediu de viver tranquilamente em solo catalão. Vem a propósito recordar que Claudio Magris e Vargas Llosa também escreveram sobre Enric Marco. O Impostor pode ser lido como a biografia de um mitómano, mas também como um livro de História, um diário em forma de thriller, ou mesmo a crónica jornalística dos «dias de fim de mundo». O autor admite ter rompido com a genologia clássica, artifício que dá azo a múltiplas abordagens da obra. Não é portanto de um romance que aqui tratamos, e não vem daí mal ao mundo. A prosa enxuta e o tema bem esgalhado tornam fútil a discussão. Não fazendo sentido ficcionar a vida de alguém que escolheu viver uma ficção, o autor cola-se à realidade. Sirva de exemplo a iconografia que ilustra o texto, em particular a lista de prisioneiros (manipulada) de Flossenbürg. Dividido em três partes, cada uma delas com secções próprias, e numeradas, O Impostor faz o relato de uma mentira. A verdade chegou tarde: «Marco nasceu num manicómio; a mãe estava louca. Ele também estará?» Javier Cercas é muito hábil na forma como constrói o patchwork dessa vida inventada. Primeiro A casca da cebola (vénia a Günter Grass), depois O romancista de si próprio e, precedendo o epílogo, O voo de Ícaro. O relato fecha com O ponto cego, texto na primeira pessoa sobre a responsabilidade do intelectual e o ofício de escrever. Fruto de investigação aturada, O Impostor não teria atingido o grau de nitidez que lhe reconhecemos se Javier Cercas não tivesse mantido longas conversas com Enric Marco e, naturalmente, com Benito Bermejo, «o historiador que revelou o embuste» e pensou escrever um livro sobre o caso. Quatro estrelas.

Escrevo ainda sobre a Prosa Escolhida de Álvaro de Campos, editada por Fernando Cabral Martins e Richard Zenith. O prefácio põe o acento tónico numa evidência: «muitos dos mais importantes textos em prosa publicados por Fernando Pessoa […] são assinados por Álvaro de Campos.» Esses textos estão aqui reunidos. A antologia abre com as “Notas para a recordação do meu Mestre Caeiro”, cerca de cinquenta páginas que auto-justificam Campos: «Quem me tira os testículos, tira-me só a possibilidade de todas as mulheres; quem me tira os olhos, tira-me a realidade do universo inteiro.» Mas também cartas, como a dirigida à revista Contemporânea, na qual discorre sobre a «imoralidade absoluta» de António Botto. E, colado ao tema (as Canções de Botto), o sibilino “Aviso por causa da moral”, no qual Campos reage, em 1923, à tranquibérnia dos estudantes fascistas que queimaram livros de Botto, Judith Teixeira e Raul Leal: «Bolas para a gente ter que aturar isto. […] Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra.» Doravante, o leitor encontra num único volume um conjunto de textos (escritos entre 1915 e 1935) dispersos por várias publicações. Publicou a Assírio & Alvim. Cinco estrelas.

BEST OF 2015


Por causa do Natal, a Sábado antecipou a saída para hoje. Aqui ficam as minhas escolhas do ano, em ficção: os três melhores e a grande desilusão. Três mais um são três mais um. Não há preâmbulos para registo de... “mas também o livro de fulano que me pôs em ponto de rebuçado, etc.” Fica-se sempre sem saber o que é mais importante: se os da lista seca, se os “mas também”.

Portanto, é assim: 1. A Senda Estreita Para o Norte Profundo, de Richard Flanagan / 2. Em Movimento. Uma Vida, de Oliver Sacks, ambos publicados pela Relógio d'Água / 3. Cidade em Chamas, de Garth Risk Hallberg, publicado pela Teorema.

Flop — Um Anjo Impuro, de Henning Mankell, publicado pela Presença.

Clique na imagem para ler os textos.

GALILEU


A Galileu faz hoje 43 anos. Desde 1972, a Galileu é “a” livraria de Cascais. Durante os 22 anos em que lá vivemos, foi ponto de passagem, não direi diário, mas quase. A Caroline e o Nuno forem sempre anfitriões excelentíssimos.

Deixo aqui um excerto do meu livro de memórias:

Uma tarde em que fui com o Jorge comer gelados ao Santini (a gelataria por onde passaram várias gerações da família real espanhola), descobrimos a Livraria Galileu [...] O que nos chamou a atenção foram as mesas de livros usados colocadas no passeio, cheias de paperbacks ingleses. Os fundos de literatura portuguesa estavam na cave, sobretudo raridades em segunda mão. Rotatividade era um conceito ignorado. Livro que ficasse no andar de cima sem vender, descia, ao fim de meses, para a cave. Nunca era devolvido. Encontrei preciosidades a preços irrisórios. Nessa primeira visita chamou-me a atenção uma prateleira com autores de direita: Agustina Bessa-Luís, António Quadros, Joaquim Paço d’Arcos, Rodrigo Emílio, Pinharanda Gomes e outros. Uma temeridade no Outono de 1975. Facto é que mais depressa se vendiam os poemas de Agostinho Neto que os de Sophia. Dessa visita inaugural trouxe livros de Agustina, largamente ignorada em Moçambique. Ignorada no sentido de pouco lida. As Pessoas Felizes (1975) foi um deles. Romance fulgurante como muito poucos. Trouxe também Ana Paula (1938), de Joaquim Paço d’Arcos, não podendo deixar de recordar um episódio de 1971. [...] A Galileu era ponto de passagem de escritores e poetas que viviam ou veraneavam em Cascais, como era o caso de António Quadros, David, Assis Pacheco, Herberto e Gaspar Simões. — Um Rapaz a Arder, Quetzal, 2013...

Portanto, hoje é dia de festa. A fotografia de Maximilien Coppens foi roubada a Caroline Tyssen. Clique nela.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

CRIME, DISSE ELA

Mariana Mortágua, hoje em conferência de imprensa.

«O Governo PSD/CDS cometeu um crime contra os interesses do Estado e do país. Ao longo de três anos, o executivo de Passos e Portas ignorou sucessivos avisos da Comissão Europeia, que recusou nada menos que oito planos de reestruturação apresentados pela administração do BANIF. Já em setembro, avisado pelo auditor do BANIF da necessidade de uma intervenção imediata, o governo optou por nada fazer. Enquanto o governo da Direita, com a colaboração das instituições europeias, se preocupava unicamente em encenar a famosa saída limpa, a real situação do BANIF foi ocultada até se tornar insustentável. O governador do Banco de Portugal não tem as mínimas condições para se manter no lugar. O BE irá propor uma comissão parlamentar de inquérito à gestão e intervenção no BANIF para apurar todas as responsabilidades sobre o caso

SAÍDA LIMPA

O BANIF já é espanhol: foi vendido ao Santander Totta por 150 milhões de euros.

Ontem à noite, ao ouvir o primeiro-ministro, não pude deixar de comparar com o que se passou no primeiro domingo de Agosto de 2014, quando (eram 11 da noite) o governador do Banco de Portugal apareceu em directo na televisão a anunciar a Resolução que deu origem ao Novo Banco. Nesse domingo, o Governo de Passos Coelho aprovou, e o Presidente da República promulgou, o Decreto-Lei n.º 114-B/2014, de 4 de Agosto. Nesse domingo, com o PM e a maioria dos ministros na praia, a operação teve quatro intervenientes: o governador do BdP, o vice-primeiro-ministro, a ministra das Finanças e o PR. Únicos subscritores do diploma: Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque. O governador do BdP fez uma arenga ininteligível que o país ouviu com incredulidade.

Ontem à noite, o primeiro-ministro fez um statement claro sobre a venda do banco madeirense — «A opção do Governo e do Banco de Portugal foi tomada tendo em conta os depositantes, os postos de trabalho, a salvaguarda económica das regiões autónomas e a sustentabilidade do sistema financeiro. A venda tem um custo muito elevado para os contribuintes, mas das opções possíveis é a melhor para defender os interesses nacionais. Protege todos os depositantes, incluindo as poupanças dos emigrantes, postos de trabalho e sistema financeiro

A operação envolve 2.255 milhões de euros: 1.766 milhões de euros directamente do OE, mais 489 milhões de euros do Fundo de Resolução. Bruxelas aprovou, mas Margrethe Vestager, comissária europeia da Concorrência, afirmou que «os bancos não podem ser mantidos artificialmente no mercado com dinheiro dos contribuintes». Hoje, um Conselho de Ministros extraordinário aprovará um Orçamento Rectificativo para enquadrar toda a operação.

Como salientou o primeiro-ministro, compete à Assembleia da República averiguar por que razão um problema identificado em Janeiro de 2013, investigado pela Comissão Europeia há mais de um ano, com todas as luzes vermelhas acesas desde Março, só foi tornado público depois da rejeição do Governo PAF.

IMBRÓGLIO


Numas eleições muito participadas (a abstenção foi apenas de 26,8%), o PP perdeu 3,6 milhões de eleitores e 63 deputados. Mesmo assim, foi o partido mais votado de Espanha, com 28,7% dos votos expressos e 123 deputados. Em segundo lugar ficou o PSOE, com 22% e 90 deputados. Em terceiro o PODEMOS, com 20,6% e 69 deputados. Em várias regiões, o PODEMOS concorreu coligado com outras forças. Não se confirmaram as projecções de que o partido de Iglesias seria a segunda força mais votada. Os socialistas obtiveram mais 400 mil votos e 21 deputados do que o PODEMOS. Em quarto o CIUDADANOS, com 13,9% e 40 deputados.

Nenhum dos dois grandes blocos chega à maioria absoluta de 176 deputados. A Direita, PP+CIUDADANOS soma 163 deputados. A Esquerda, PSOE+PODEMOS+UP soma 161. (A UP, ou Unidade Popular en Común, é a coligação da Izquierda Unida com os Verdes.) Um grande imbróglio. Clique na imagem.

domingo, 20 de dezembro de 2015

HOJE COMO VAI SER?


Em 2011, o PP de Rajoy conseguiu 10,8 milhões de votos (44,6%), que se traduziram numa maioria absoluta de 186 deputados. Por seu turno, o PSOE de Zapatero conseguiu 7 milhões de votos (28,7%), que se traduziram em 110 deputados. Mas nos últimos quatro anos muita coisa mudou. O PSOE substituiu Zapatero por Rubalcaba (até 2014), tendo agora Sánchez à frente do partido. Mas o que vai baralhar as contas é o aparecimento de dois novos partidos: o PODEMOS, de Pablo Iglesias, fundado em Janeiro de 2014, decalcando o modelo do Syriza; e o partido conservador CIUDADANOS, de Albert Rivera, fundado em Junho de 2006, em Barcelona, com perfil regional, mas que só a partir de 2014, com as eleições para o Parlamento Europeu, obteve estatuto de partido nacional. As sondagens dão os quatro praticamente empatados, porque os eleitorados tradicionais do PP e do PSOE subdividiram-se. Logo à noite veremos. Clique na imagem.