Vidas Seguintes, o décimo e mais recente dos romances que publicou, tem como pano de fundo as relações entre colonizadores e colonizados na Deutsch-Ostafrika. Muita gente não se lembra, mas o território da Tanzânia fez parte, até ao fim da Primeira Guerra Mundial, da África Oriental Alemã, vasta área que se estendia até à província do Niassa, no Norte de Moçambique. A problematização do colonialismo alemão tem sido sistematicamente omitida nos últimos cem anos, daí a relevância com que a obra de Gurnah preenche essa lacuna.
Gurnah nasceu sob domínio colonial britânico, mas é sobre as práticas coloniais alemãs que a obra se debruça. Denominador comum a todos os livros: as ilhas de Zanzibar, predominantemente muçulmanas e, como tal, estranhas ao clichê “africano”. Dito de outro modo, arabização no lugar da negritude.
As histórias dos quatro principais personagens de Vidas Seguintes — Khalifa, Ilyas, Hamza e Afiya — são as histórias de todos os colonizados que um dia foram obrigados a lutar pelo império ocupante, muitos deles roubados em crianças pelo Schutztruppe: «Toda a gente conhecia a frieza e impiedade dos oficiais alemães.»
Não é a primeira vez que o autor escreve sobre o tema. Por exemplo, Yusuf, o protagonista de Paradise (1994), é uma criança vendida pelo pai para trabalhar em regime de escravatura.
Qual o significado de “pertença”? Pondo em pauta a vexata quaestio da extraterritorialidade, do choque identitário e de culturas, Gurnah coloca-se no centro das experiências de alteridade que distinguem o que escreve.
Além de romancista, Gurnah é autor de contos. Uns e outros muito bem recebidos pela crítica, mas com vendas residuais (mesmo no Reino Unido, o prémio apanhou os editores desprevenidos). Antes de laureado com o Nobel, era sobretudo conhecido e respeitado pelos ensaios que escreveu sobre diáspora e literatura pós-colonial.
Vidas Seguintes foi traduzido por Eugénia Antunes e publicado pela Cavalo de Ferro.
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