A reedição de Fome, do norueguês Knut Hamsun (1859-1952), traz de volta um autor controverso. Admirador de Hitler e Goebbels, racista confesso, colaborador nazi, foi julgado e condenado por traição ao seu país. Além de romances e contos, Hamsun escreveu poesia, ensaios e panfletos. Após publicar Os Frutos da Terra (1917), recebeu o Nobel da Literatura em 1920. O domínio do fluxo de consciência acentua o carácter autobiográfico de Fome, o seu primeiro livro (1890), elogiado por Gide, Thomas Mann e outros. Liliete Martins traduz directamente do norueguês. Publicou a Cavalo de Ferro.
Escrito para a BBC Radio, Estilicídio, do galês Cynan Jones (n. 1975), são esses doze episódios em forma de livro. Estilicídio significa ‘queda de água gota a gota’. Série de antecipação sobre como sobreviver a uma crise climática de proporções bíblicas, coloca o leitor perante a possibilidade da falta de água. A acção centra-se numa grande metrópole (admitamos que seja Londres) devastada por uma sucessão de secas e enchentes. Uma das alternativas consiste em rebocar um iceberg do Ártico. Falta porém consenso entre quem manda, a população, os ambientalistas e, como é de regra, os terroristas que também entram na história. Resumindo: Estilicídio ecoa todas as harmónicas possíveis num guião televisivo. Publicou a Elsinore.
É sempre gratificante voltar a Cesare Pavese (1908-1950), nome maior da literatura italiana. Poeta, ficcionista, ensaísta, diarista, crítico, tradutor de Joyce, Melville e outros, Pavese suicidou-se aos 41 anos, poucos meses depois de receber o Prémio Strega e de publicar A Lua e as Fogueiras, o livro derradeiro. Narrado na primeira pessoa («Há uma razão para eu ter voltado para esta aldeia…») pela voz de um emigrante regressado da América após o fim da Segunda Guerra Mundial, demonstra a impossibilidade de resgatar o passado. Tudo rui à sua volta, e nem a fortuna acumulada desfaz a condição de “bastardo”. Uma elegia seca e amarga dos lugares e pessoas da remota infância. Publicou a Bertrand.
Quando George Orwell (1903-1950) escreveu 1984, estava longe de supor o impacto que o livro teria nas gerações vindouras. Agora que a obra caiu em domínio público, sucedem-se as reedições. A obra de Orwell recentrou a distopia em literatura, na medida em que o seu precedente mais célebre, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, não resistiu à usura do tempo. Pelo contrário, o Grande Irmão (o Big Brother) faz parte do imaginário contemporâneo. Escrito com a intenção de denunciar o totalitarismo estalinista, a tese do controlo total por parte do Partido é o Leitmotiv do romance. Um dos personagens, o poeta Ampleforth, intelectual praticante da Novilíngua, parece ser uma caricatura de Auden. Gonçalo M. Tavares assina o prefácio. Publicou a Relógio d'Água.
Numa altura em que se verifica o avanço de forças extremistas em democracias consolidadas, convém ler O Regresso da Ultradireita, de Cas Mudde (n. 1967), o cientista político holandês que tem escrito sobre as várias formas de populismo. Analisando a rapidez com que partidos tradicionais, outrora conservadores, interiorizaram o discurso de homens como Trump ou Bolsonaro, Mudde faz um tour d’horizon às franjas radicais que controlam os governos de vários países, dentro e fora da Europa. A quarta vaga da ultradireita é o enfoque do livro. Por que é que há vinte anos as opiniões públicas reagiam indignadas à xenofobia, e hoje reagem com um bocejo à sua “normalização”? Publicou a Presença.
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