Para a maioria das pessoas, os motins de Stonewall não dizem nada. Mas foi com eles que nasceu a cultura gay, hoje estudada em todas as universidades que se prezam.
Resumidamente: faz agora 50 anos que os motins de Stonewall mudaram tudo. Começaram no dia do funeral de Judy Garland — 27 de Junho de 1969 —, ícone da comunidade gay, falecida em Londres mas trasladada para a América, ocasião para centenas de homossexuais levarem o caos a Greenwich Village, um bairro de Nova Iorque.
Durante três dias consecutivos, entre 27 e 29 de Junho, homens e mulheres fizeram frente ao assédio moral e à reiterada prática de chantagem da polícia, fazendo ver à sociedade americana, e em especial às autoridades, que uma democracia não pode permitir que uns sejam mais iguais do que outros. O ponto de partida das hostilidades foi o bar gay Stonewall Inn, em Christopher Street. Nunca mais nada foi como dantes.
A literatura sobre homossexualidade tem mais de três mil anos: o saco sem fundo da antiguidade clássica, os poetas da antologia grega (onde Safo tem lugar cativo), as contribuições de Homero, Virgílio e Petrónio, o Épico de Gilgamesh, epítome do amor viril, as estrofes espirituais de São João da Cruz, os poetas do Islão, desde o tempo em que as fronteiras do Islão chegavam a Silves, os poetas chineses Hsü Ling e Wu Chün, a decantada Chanson de Roland, os poetas turcos e persas dos divã — fonte do Westöstlicher Divan de Goethe, tal como do Diván del Tamarit de Lorca —, os infernos de Rimbaud e Verlaine, os estudos precursores de John Addington Symonds, Edward Carpenter e Henry Havelock Ellis e, naturalmente, as obras centrais de Whitman, Kavafis, Wilde, Gide, Botto, Gunn e muitos outros.
Contudo, ia ser necessária uma década de intervalo para que pudesse irromper e afirmar-se publicamente uma verdadeira geração de escritores gay pós-Stonewall. É o caso do grupo do Violet Quill Club, de que fazem parte, entre outros, Edmund White, Andrew Holleran e Felice Picano. É a partir daí que nasce a cultura gay. Para uma perspectiva de conjunto, ver The Violet Quill Reader (1994). A cultura gay distingue-se por afirmar a sua condição política sem recurso às madalenas de Proust.
A partir daqui parece-me fútil perguntar das razões das marchas do orgulho gay, iniciadas em 1970, em Nova Iorque, e hoje realizadas em mais de 60 países (em Portugal começaram em 2000). Mandela, por exemplo, participou numa das marchas sul-africanas. A mim, o que me faz confusão, é o défice de políticos e personalidades públicas portugueses capazes de darem a cara.
Na imagem, o livro editado em 1994 por David Bergman (na St Martin Press) sobre a emergência da literatura gay pós-Stonewall. Clique.