Hoje na Sábado escrevo sobre Uma História Antiga, de Jonathan Littell (n. 1967), a nova versão, em sete capítulos, do díptico de 2012. Quando, em 2006, Littell publicou As Benevolentes, venceu, entre outros, o Goncourt e o Grande Prémio de Romance da Academia Francesa, assim monopolizando todos os holofotes dos dois lados do Atlântico. Só em França, o romance vendeu um milhão de exemplares. Filho de escritor, Littell nasceu em Nova Iorque, estudou em França, mas regressou a Nova Iorque, onde escreveu o primeiro livro, uma novela cyberpunk, além uma série de ensaios polémicos sobre Bacon (o pintor), as guerras que devastaram a Síria, o Congo, a Tchechénia, o Afeganistão e a Geórgia, as crianças-soldado do Uganda — acerca das quais realizou em 2015 o documentário Wrong Elements —, os serviços secretos russos, o activista da extrema-direita belga Léon Degrelle, etc. Agora, esta nova versão de Uma História Antiga, não chegando a ser desastrosa, fica muito aquém dos mínimos exigidos a um autor desta envergadura. Os sete capítulos correspondem a diferentes variações do mesmo tema: sexo, dominação e poder. O narrador muda de género à medida que a narratriva progride. Fiel a si próprio, Littell descreve cenas de sexo em doses maciças, por norma em contexto de grande violência. Relações humanas, diz ele, no tom sobranceiro da prosa desta vez tão francesa. Littell entretém-se a ilustrar aquilo a que Freud chamou ‘conteúdo manifesto’ (nos sonhos) e ‘conteúdo latente’, sobrepondo ambos: «Um outro ânus estava mesmo junto do meu rosto e eu estendi a língua para o lamber […] Quando acordei, uma luz fria irradiava pelo quarto.» A piscina é a metáfora deste récit à maneira de Burroughs (o autor de Naked Lunch surge em cada frincha), o qual, ao contrário do original, substitui interditos por subterfúgios. O que pretende Littell? Transpor para o quotidiano das pessoas comuns o horror dos conflitos de que tem sido testemunha privilegiada? Sexualizar os Carnets de Homs, relato da viagem clandestina que fez à Síria? Afinal, nada do que relata é estranho às pessoas comuns. Com mais ou menos transgressão, estamos a falar de trivialidades. Duas estrelas. Publicou a Dom Quixote.
Escrevo ainda sobre Inverno, segundo volume da tetralogia das estações do ano, da escocêsa Ali Smith (n. 1962). Activista política e defensora dos direitos LGBTI, foca-se agora nas consequências do Brexit e na deriva populista encarnada po Trump, «um presidente norte-americano que tem por hábito comparar mulheres a cadelas [e que] encoraja os Escuteiros da América a vaiar o último presidente e a vaiar o nome da sua própria adversária nas eleições do ano passado.» Em Smith, nada é linear: a narrativa errática e os monólogos interiores permitem todo o tipo de digressões. O real (um deputado britânico a ladrar para uma colega de etnia diferente) pode ser surreal. Reflexões em torno de Cimbelino, de Shakespeare, servem de metáfora ao Brexit: «Uma peça sobre um reino assente no caos, na mentira, no exercício tirânico do poder…» Certa acumulação de referências sociais, como os direitos dos refugiados, as mudanças climáticas, as incertezas do pós-Brexit, o domínio das redes sociais, o fascismo subliminar, etc., tenderiam a fazer de Inverno um panfleto, não fosse o caso de Smith ser uma autora prodigiosa. Quatro estrelas. Publicou a Elsinore.