As minhas escolhas estrangeiras de 2017, publicadas hoje na revista Sábado. Três romances, uma biografia e uma colectânea de ensaios.
Celebrado como contista, George Saunders estreou-se no romance com Lincoln no Bardo. Em registo tardo-modernista, o livro ficciona a depressão sofrida por Abraham Lincoln após a morte do terceiro filho. A sintaxe desconcerta, a filiação à literatura do absurdo obscurece por vezes a narrativa, mas o leitor deixa-se levar pelos fantasmas que assombram a obra.
Toda a gente ouviu falar de Nathan Zuckerman, o protagonista de nove romances que Philip Roth publicou entre 1979 e 2007. O Escritor Fantasma inaugurou a série, mas chegou ao nosso país depois dos outros. Digressão sobre as origens judaicas do autor, a cena literária de Manhattan, a vida americana nos fifties e as contingências do sexo, o livro é um prodígio de sarcasmo em prosa de primeiríssima água.
Romance em três partes, O Teu Rosto Amanhã é provavelmente a obra mais famosa do espanhol Javier Marías, eterno nobelizável. Oscilando entre presente e passado, cruzando toda a sorte de referências culturais, políticas e sociológicas, o virtuosismo do autor faz um tour d’horizon ao século. Os volumes subtitulam-se, respectivamente, Febre e lança / Dança e sonho / Veneno e sombra e adeus. Notável.
A biografia de Nelson Rodrigues escrita por Ruy Castro é um monumento do género. Nelson, dramaturgo, cronista, romancista, contista, repórter e guionista, não foi um personagem liso, e é provável que só Ruy Castro estivesse à altura de pôr em letra de forma a vida do homem controverso que fez o teatro brasileiro entrar no século XX. A vários títulos, O Anjo Pornográfico é um capítulo da História do Brasil.
Seguir o raciocínio de George Steiner, o último renascentista vivo, releva do puro prazer. A selecção de 28 ensaios publicados na revista New Yorker, entre 1967 e 97, corroboram o papel central do autor no pensamento crítico dos últimos 60 anos. Soljenítsin, Orwell, Céline, Borges, Chomsky, Brecht, o caso Anthony Blunt visto sob nova luz, etc., são dissecados com a ‘força bruta de inteligência’ com que Steiner agarra o leitor da primeira à última página.