Hoje na Sábado escrevo sobre O Simpatizante, o primeiro livro de Viet Thanh Nguyen (n. 1971), vencedor do Pulitzer de Ficção 2016. Nguyen tem origem vietnamita, mas radicou-se com a família nos Estados Unidos quando se deu a queda de Saigão. Depois deste romance publicou um ensaio sobre o Vietname. Antes havia publicado contos na imprensa. Sem surpresa, a intriga é um melting pot da actualidade, de histórias com referentes biográficos que Nguyen terá ouvido aos pais (ele era uma criança de quatro anos quando deixou o país onde nasceu), e de metaficção. Um compósito de livro de espionagem apimentado por reminiscências da guerra, e de busca de identidade num país novo. O narrador anónimo é um oficial vietnamita refugiado em Los Angeles, doublé de espião e proprietário de uma loja de bebidas, um intelectual (autor de uma tese sobre Graham Greene), enfim, um homem cheio de contradições, filho ilegítimo de um padre francês. A primeira frase diz tudo: «Sou um espião, um infiltrado, um malsim, um homem de duas faces. Não será porventura uma surpresa que também seja um homem de duas mentes.» O segundo parágrafo abre com a famosa citação de Eliot: «abril, o mês mais cruel.» Saigão, a terra devastada, implodia com fragor. Na precipitação da retirada de Saigão veio tudo: gente comum, militares de alta patente sul-vietnamitas, agentes duplos, informadores de Thang, os pais de Nguyen, uma das centenas de famílias que foram instaladas em Fort Indiantown Gap, um campo de refugiados na Pensilvânia. Não admira que Nguyen utilize o livro para, ao mesmo tempo que exorciza os fantasmas do narrador (que volta ao Vietname para defender os seus ideais), revisita a América profunda dos anos 1970 e 80: cinema, música, tiques geracionais. Tudo sem ignorar as previsíveis comparações com o Vietname, personalidade das mulheres incluída. A actualidade está presente ao longo da narrativa: «Recostado na sua cadeira de junco, com uma t-shirt branca e umas calças de caqui, e os tornozelos perfeitos à mostra porque não usava peúgas com os sapatos de vela, era tão cool como um gelado…» Em suma, a escrita de Nguyen prende o leitor em velocidade cruzeiro. Quatro estrelas. Publicou a Elsinore.
Escrevo ainda sobre A Sibila, de Agustina Bessa-Luís (n. 1922). A reedição planificada da obra ficcional da autora é um acontecimento. Ainda que não publique nenhum romance inédito desde 2006, Agustina continua sendo a maior escritora portuguesa viva. Razão de sobra para saudar a 31.ª reedição de A Sibila, obra-prima que em 1954 provocou ondas de choque no meio literário, tendo recebido de imediato os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz. Não esquecer que Agustina foi, antes da queda da ditadura, a única autora de Direita respeitada por críticos de todos os quadrantes ideológicos, posição que mantém mesmo em democracia, sem ter abdicado das suas convicções e nunca se esquivando a militância activa. Com A Sibila, a literatura nacional ganhou uma personagem carismática, essa Quina que nos perturba «desde o alvorecer da razão», mulher indómita adoptada por sucessivas gerações de leitores. A acção do romance decorre na região de Amarante, na casa da Vessada (arrasada pelo fogo em 1870, mas reconstruída), entre meados dos séculos XIX e XX. A narrativa encontra-se pontuada, aqui e ali, por factos reais: a Revolução da Patuleia, o advento da República, etc. Se não leu, tem agora oportunidade. Os clássicos são sempre actuais. Cinco estrelas. Publicou a Relógio d’Água.