Hoje na Sábado escrevo sobre A Árvore das Mentiras, de Frances Hardinge (n. 1973), conceituada autora de livros infantis. Em 2015, o livro acumulou duas categorias — “Para crianças” e “Livro do ano” — dos Costa Book Awards. É pena a edição portuguesa não referir o público alvo do livro. Como de costume na obra da autora, a intriga tem laivos góticos. Faith, a protagonista, é uma rapariguinha de catorze anos interessada em paleontologia, cujo pai morre em circunstâncias obscuras. Hardinge articula bem as vertentes de terror com as de mistério. A escolha de uma menina não foi inocente. Faith de certo modo antecipa o papel e o lugar das mulheres num mundo a haver. Aos cinco anos já Darwin bulia com ela: nunca mais foi a mesma depois de ler A Origem das Espécies. Feminismo de berçário? A história começa com a mudança da família Sunderly para a ilha de Vane, forma de escaparem ao escândalo gerado pelas novas descobertas científicas do pai de Faith. Os circunspectos membros da Real Academia vitoriana não toleravam nem conviviam bem com espíritos heterodoxos. A narrativa intercala detalhes históricos (sobretudo os atinentes às teses de Darwin) com a imaginação delirante da autora. É o caso da árvore das mentiras, provável metáfora da actual manipulação dos media. Ou, quem sabe, senão mesmo uma forma de ilustrar o watching you orwelliano. Afinal, a árvore alimenta-se de mentiras e difunde segredos. A leitura do diário do pai vai fazendo luz na determinação de Faith em limpar o nome e a honra do progenitor, tentando esclarecer, do mesmo passo, a sua morte: «O fantasma do meu pai anda a passear, querendo vingar-se daqueles que lhe fizeram mal.» Hardinge é hábil no modo como efabula uma realidade paralela, criando um imaginário próprio, habitado por fantasmas, auroques pigmeus, fósseis de hipopótamos, craniometria e outras peculiaridades susceptíveis de despertar a atenção dos mais jovens. A escrita fluente dá verossimilhança ao conjunto. Embora se trate de uma obra destinada a pré-adolescentes, qualquer adulto lê o livro com agrado. Três estrelas. Publicou a Presença.