Anteontem, na Sábado, escrevi sobre A árvore dos Toraja, penúltimo romance do francês Philippe Claudel (n. 1962), autor que se divide entre a literatura e o cinema. Como o próprio autor, também o narrador é cineasta. Um homem que se vê confrontado com o cancro de Eugène, o seu melhor amigo. O ponto de partida da narrativa terá sido uma viagem feita pelo autor à Indonésia, mais exactamente ao arquipélago das Célèbes, onde se situa a ilha de Sulawesi, território do povo Toraja. Os Toraja enterram os seus mortos precoces (crianças) na cavidade de uma árvore. O livro é uma reflexão sobre a morte e o poder da amizade, com envios ao passado comum: afinidades electivas, remorsos, afectos. Em suma, uma subtil elegia branchée. Como bom francês, Philippe Claudel não consegue abstrair-se de citar alguns dos seus pares. Ao fim de duas páginas apanhamos com Ismaïl Kadaré, «que leio pelo menos uma vez a cada dois anos». Mas também temos direito a Kundera. Afinal de contas, era o autor dilecto de Eugène. Até Michel Piccoli tem a sua quota, no cenário improvável de um McDonalds. Móbil, a erosão do tempo: «Pertenço a um tempo que acabou. Como os dinossauros…», sublinha o actor. Philippe Claudel pretende contrapor a cultura da morte, conforme ritualizada no Oriente, à rasura da tradição ocidental. Agora que a doença se tornou uma obsessão das sociedades industrializadas, entaladas entre os interesses dos lobbies farmacêuticos e a cultura do medo, é natural que a literatura dê voz a essa espécie de ansiedade colectiva. É o que pretende fazer o autor, pondo em pauta a camaradagem de dois homens unidos por inextricáveis laços de cumplicidade. Havendo matéria para um romance, é pena que Philippe Claudel fique pelo récit de perfil ensaístico. A título de exemplo, um texto de Mario Rigoni Stern é trazido à colação a propósito do suicídio de Primo Levi: «Ambos tinham tido de atravessar a pé a Europa dos mortos para regressarem ao seu país.» Um cínico dirá que A árvore dos Toraja não anda longe dos livros de auto-ajuda. Para intelectuais, evidentemente. Três estrelas. Publicou a Sextante.
Escrevo ainda sobre Momentos de Vida, de Virginia Woolf (1882-1941), cuja importância no contexto da Literatura do século XX seria fútil sublinhar. Romancista, contista, ensaísta e crítica literária, Virginia escreveu ainda um importante diário, parcialmente traduzido em Portugal. Em 1976 foram descobertos cinco textos autobiográficos, inéditos, escritos entre 1907 e 1939, editados e reunidos por Jeanne Schulkind com o título Momentos de Vida. Não se tratando de uma obra que de algum modo interfira com o cânone da autora, é um documento importante para a compreensão de um largo período da vida inglesa e, em especial, para a forma como os bloomsberries viam o seu tempo. Vem a propósito lembrar a síntese de Quentin Bell: «considerado como uma entidade ética, social e estética...», o mundo moderno nasceu em 1910, no Bloomsbury. O livro abre com “Reminiscências”, ensaio dividido em cinco capítulos, fechando com os textos lidos no Clube de Memórias, criado por Mary MacCarthy (não confundir com a americana Mary McCarthy, trinta anos mais nova). No meio, “Um Esboço do Passado”, escrito em 1939, pouco antes do suicídio de Virginia, analisa o Bloomsbury de um novo ângulo. Além de fac-símiles, o volume inclui portfolio fotográfico. Quatro estrelas. Publicou a Ponto de Fuga.
E também sobre What’s in a Name, de Ana Luísa Amaral (n. 1956). Depois da novela autobiográfica com que em 2013 expôs publicamente a sua orientação sexual, a autora continuou a publicar colectâneas de poemas, mas é com What’s in a Name, chegado agora às livrarias, que reencontramos o melhor da sua obra. No poema que dá o título ao conjunto, pergunta a autora: «[…] o que há num nome?» Poeta central da poesia portuguesa contemporânea, a autora tem-se destacado pela forma hábil como, sem se afastar do classicismo da tradição anglo-americana (Emily Dickinson e Anne Sexton são referências próximas), consegue impor a voz que dá «nome a estas coisas», fazendo-o sempre com o rigor oficinal que faz da sua escrita um lugar de alto conseguimento: «Mas não há nada de natural num nome: / como uma roupa, um hábito, normalmente para a vida inteira, / ele nada mais faz do que cobrir / a nudez em que nascemos» A identidade é um ferrete. Que quase todos estes poemas tenham por objecto matéria improvável (abacates, castanhas bravas, azeite, especiarias, ostras, etc.) e o cenário heterodoxo de uma cozinha, dá a medida do virtuosismo da autora. Afinal, a grande poesia tende a evitar a grandiloquência. Cinco estrelas. Publicou a Assírio & Alvim.