Num país em que tudo é um jogo de sombras, não me espanta o ‘incómodo’ que tem causado a revelação pública de excertos do segundo volume da biografia de Jorge Sampaio, da autoria do jornalista José Pedro Castanheira. Santana Lopes é o rosto visível dessa incomodidade, tendo chegado ao extremo de desafiar o antigo Presidente para um debate na televisão. Mas Santana tem o mérito de dizer em voz alta o que os outros apenas murmuram. A biografia é excelente: mais de duas mil páginas (1060 + 1063) e centenas de fotografias. O 1.º volume, publicado em 2012, termina com a declaração de Sampaio — Sou o candidato à Câmara Municipal de Lisboa — que em Julho de 1989 deixou o país, e o próprio PS, em transe. O 2.º volume, agora publicado, arranca com a campanha em que defrontou e venceu Marcelo Rebelo de Sousa na autarquia (1990-95), terminando com o fim dos dois mandatos de Presidente da República (1996-2006). José Pedro Castanheira entrevistou cerca de duzentas personalidades e teve acesso ao arquivo pessoal de Sampaio. Não é uma obra hagiográfica. É uma biografia como deve ser: fontes creditadas, notas de contexto, correspondência, índice remissivo, iconografia de vária proveniência, citações, etc. O busílis está nas citações, porque Sampaio, homem de formação anglo-saxónica, não se coibiu de lembrar o que fulano e beltrano (a nata da nata da política portuguesa) disseram em determinadas ocasiões, sobre este e aquele. Mas é assim que se faz a História.