Hoje na Sábado, que saiu um dia mais cedo por ser feriado, escrevo sobre Paris-Austerlitz, romance póstumo do espanhol Rafael Chirbes (1949-2015). O livro reitera o óbvio: o conjunto da obra do autor, dez romances e quatro volumes de ensaios, é um dos mais consistentes da literatura contemporânea em língua castelhana. Chirbes não teve pressa. Tinha 39 anos quando publicou o primeiro livro, e estava morto quando o último saiu dos prelos. Fosse qual fosse o assunto, o apego à realidade foi constante. Sirvam de exemplo a bolha imobiliária espanhola e a ulterior crise da dívida soberana, tópicos que deram azo a romances notáveis. Paris-Austerlitz tem outro enfoque. À beira de morrer, Chirbes entregou ao editor o que podemos considerar o seu testamento autobiográfico. Quem leu o livro de estreia, Mimoun (1988), percebe que o ciclo se fechou. Estamos de volta aos temas centrais: homossexualidade, doença, solidão. Antes de regressar a Madrid, o narrador discorre sobre o carácter de Michel, o antigo amante, a morrer com sida num hospital de Rouen. O retrato de um certo meio por interposto ajuste de contas. Chirbes não divaga nem doura a pílula, tudo tem a exactidão das evidências. Saudar a tradução de Rui Pires Cabral, que soube escolher as palavras exactas. Quatro estrelas.