Também na edição de hoje da Sábado, escrevo sobre Esse Cabelo, de Djaimilia Pereira de Almeida (n. 1982). Os editores portugueses parecem ter descoberto o filão dos livros de memórias. E como talvez não pudesse deixar de ser, África ocupa grande parte desse interesse. Ciente de que «a nossa vida é inundada todo o tempo por essa família taciturna — a memória», Djaimilia fez outra coisa: escreveu um livro centrado no seu próprio cabelo, primeiro liso (no acto de nascer), mais tarde crespo. Memórias identitárias, portanto. A autora nasceu em Luanda e chegou a Portugal com três anos de idade. Sem perder de vista o móbil narrativo (o cabelo), serve-se do monólogo interior para radiografar o mundo à sua volta. Sem abdicar da ironia, mantém a distância do analista. Ao mesmo tempo que põe de lado «o sonho do documentalista», exonera-se com prudente frieza de qualquer arroubo passional. O passado cabe inteiro neste diário tranquilo, circunstanciado, isento de azedume: «Era em mil novecentos e sessenta e sete. […] O filme que víamos em noventa retratava o que fôramos em sessenta mostrando-nos em quarenta. […]» Bem calibrada, de uma nitidez exemplar, a prosa dúctil faz o resto. Vai ser preciso estar atento a futuros livros de Djaimilia. Quatro estrelas.