sexta-feira, 12 de junho de 2020

SEIS SUGESTÕES DE LEITURA


Esta semana na revista SábadoSeis sugestões para o novo normal

No nosso país, a francesa Annie Ernaux (n. 1940) tem sido menos lida do que devia. Agora que foi traduzida uma das suas obras mais conhecidas, Os Anos, é provável que outras cheguem à edição portuguesa. Em jeito de carnet de souvenirs, o livro é um relato autobiográfico que vai da infância até 2006. Annie Ernaux constrói um macrotexto que lê o mundo a partir de incidentes biográficos, fotografias, filmes, livros, canções, política francesa, acontecimentos globais marcantes (descolonização da Argélia, Guerra do Vietname, assassinato de Aldo Moro, etc.), decepções, o vírus SARS, Le Pen, a fractura do 11 de Setembro: «uma força obscura infiltrara-se no mundo». A escrita flui com elegância e a sucessão de temas torna a leitura aliciante. Publicou a Livros do Brasil.

Traduzido directamente do persa por Carimo Mohomed, O Mocho Cego de Sadeq Hedayat (1903-1951) é unanimemente considerado uma obra-prima da literatura iraniana moderna. Originalmente publicado na Índia, por ser impossível fazê-lo no Irão durante a ditadura de Reza Shah, elogiado em dezenas de países onde foi traduzido, tornou-se um livro de culto a partir do momento em que o regime dos aiatolas associou a obra ao suicídio induzido. Tradutor de Kafka, Sadeq Hedayat interiorizou na sua própria obra muitas das “preocupações” existenciais do escritor checo. Publicou a E-Primatur.

Na versão em língua inglesa, o penúltimo romance da alemã Marion Poschmann (n. 1969), As Ilhas dos Pinheiros, integrou a shortlist do International Booker Prize. A narrativa tem um ponto de partida interessante (um homem sonha com o adultério da mulher), mas quando Gilbert Silvester, o homem traído, decide abandonar o casamento e partir para o Japão, onde salva um jovem suicida, a história perde-se numa sucessão de pontas soltas. O tom desembaraçado resgata o plot da sua trivialidade. Publicou a Relógio d’Água.

Não admira que Karoline Kan (n. 1989), jornalista conceituada e editora do jornal digital China Dialogue, tenha escrito Sob Céus Vermelhos, um livro sobre a realidade chinesa actual analisada à luz da experiência de três gerações da sua família. Livro de memórias, portanto. Tal como a Revolução Cultural Chinesa (1966-76), com o seu cortejo de crimes, um dos aspectos mais dramáticos reporta à política do filho único imposta por Mao Tsé-Tung nos anos 1970, porém contrariada por muitas mulheres, entre elas sua mãe, que sofreu o ónus da ousadia. Em suma, o retrato cru de um país que saltou do obscurantismo maoista para as contradições do capitalismo de Estado. Publicou a Quetzal.

A inglesa Jeanette Winterson (n. 1959) regressa com a reedição daquele que é provavelmente o seu melhor livro, A Paixão, romance com acção centrada nas guerras napoleónicas, vencedor do Prémio John Llewellyn Rhys de 1987. Ficção pura, nada a ver com romance histórico. Henri, soldado requisitado como cozinheiro, narrador de grande parte do livro, começa por nos introduzir na cozinha de Napoleão: «Que cozinha aquela, com aves em todas as fases de amanho, algumas ainda frias e penduradas em ganchos…» Tudo se passa durante a desastrosa Campanha da Rússia, que Henri acompanha. Villanelle, a veneziana por quem o jovem se apaixona (ela não o ama, prefere mulheres), descreve com eloquência a cidade dos Doges. Filha de barqueiro, conhece todos os recessos da Laguna. E sabe de certeza certa que «Algures entre o medo e o sexo está a paixão». Publicou a Elsinore.

Se há obras cuja difusão planetária se mantém sem interrupção há mais de cem anos, uma delas é A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson Através da Suécia, de Selma Lagerlöf (1858-1940), cuja primeira edição data de 1906. Aquilo que começou por ser uma encomenda da Associação Nacional de Professores, destinada a difundir a reforma ortográfica da Suécia, ao mesmo tempo que servia de guia geográfico dos estudantes, rapidamente se transformou num bestseller internacional, várias vezes adaptado ao cinema. A narrativa assenta num tour d’horizon pelo país, incluindo lendas, folclore, vida animal, etc. Nils Holgersson, o protagonista, conduz-nos com malícia pelo seu universo encantatório. Pela primeira vez traduzido directamente do sueco, por João Reis, e publicado em capa dura, o volume inclui as ilustrações que Bertil Lybeck fez para a edição de 1931. Publicou a Sextante.

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