quarta-feira, 19 de junho de 2019

SONTAG & GREENE


Hoje na Sábado escrevo sobre Histórias, de Susan Sontag (1933-2004). Nos intervalos dos ensaios que fizeram dela um ícone da cultura americana, Sontag escreveu quatro romances, quatro peças de teatro e vários contos, oito dos quais foram compilados em 1978 no volume I, etcetera. O título remete para a natureza autobiográfica do conteúdo. Porventura para contrariar essa leitura, Benjamin Taylor acrescentou três textos ao conjunto, chamou-lhes Histórias e, no prefácio escrito em 2017, sublinha de forma ambígua o seu carácter ficcional: «Os contos representam as suas obras mais íntimas.» O organizador do volume não quer que o livro seja lido como autobiografia da autora de Notes on Camp (1964), mas os textos acrescentados, mais as alterações feitas na ordem sequencial, deixam incólume o juízo de há quarenta anos. Até do ponto de vista cronológico, não há como escapar da leitura pessoal, memorialística, destes onze textos. Por exemplo, os factos narrados em “Peregrinação”, texto de abertura, remontam a 1947, ano da visita a casa de Thomas Mann, que à época vivia (como tantos outros artistas e intelectuais europeus fugidos à guerra) no Sul da Califórnia. Susan fez a visita na companhia de um namoradinho, sendo o conto um pretexto para discretear sobre A Montanha Mágica. Um ensaio convencional não andaria longe. Sem resquício de ficção, o suicídio de Susan Taubes, amiga íntima de Sontag, que foi quem identificou o corpo da amiga afogada em Long Island, deu origem a “Declaração”. O assédio em meio académico surge em “Doutor Jekyll”, um retrato da realidade: «Mas o tipo é um porco! Meu Deus, quando penso naquela história horripilante que me contaste em que ele te pediu para…». Apesar do registo experimental, “Projeto para uma viagem à China” é uma espécie de diário: «Missionários, conselheiros militares estrangeiros. Negociantes de peles no deserto de Gobi, entre eles o meu pai ainda novo.» E assim sucessivamente. Ao contrário, o último texto, “A maneira como vivemos agora”, ilustrando o quotidiano dos novaiorquinos no auge da epidemia de sida, obedece à estrutura clássica de uma novela. Originalmente publicado na New Yorker, teve publicação autónoma em livro. Três estrelas. Publicou a Quetzal.

Escrevo ainda sobre Santos e Pecadores, uma recolha de ensaios de Graham Greene (1904-1991), conhecido sobretudo como romancista, um dos maiores do século XX. Mas Greene foi também um ensaísta brilhante. Em boa hora Pedro Mexia seleccionou, a partir de cinco colectâneas, um conjunto de vinte ensaios escritos entre 1939 (“O homem irado”) e 1984 (“Ruminações aos oitenta anos”), com a quota dos anos 1950 a dominar. Greene, que trabalhou largos anos para os serviços secretos britânicos, foi o «católico paradoxal» por excelência: preferia o pecado à virtude, sublinha Mexia. Qualquer que seja o móbil do ensaio, o grau de corrosão do ponto de vista não belisca nunca a excepcional elegância da prosa. Kim Philby, Simone Weil, Fidel Castro, G. K. Chesterton, o Papa João XXIII e Evelyn Waugh são alguns daqueles a quem dedica textos magníficos. Pode-se dizer o mesmo do muito que escreveu sobre cinema, ele que, tendo visto tantos dos seus livros transformados em filmes, foi ainda guionista e crítico: «A ideia de fazer crítica de filmes veio-me num cocktail depois do perigoso terceiro martíniCinco estrelas. Publicou a Livros do Brasil.