sexta-feira, 21 de julho de 2017

VAMOS FALAR DE DISCRIMINAÇÃO?


Desde 2002, os primeiros-ministros britânicos recebem em Downing Street uma delegação de activistas LGBT. Representantes de várias áreas da sociedade (artistas, professores, cientistas, escritores, sociólogos, políticos, etc.) reúnem-se no n.º 10 para tomar o pulso aos direitos e deveres de cada campo. Foi assim com Tony Blair, Gordon Brown, David Cameron e continua com Theresa May. Porém, um homem, e não é um homem qualquer, tem sido sistematicamente banido do comité de notáveis. Estou a falar de Peter Tatchell, 65 anos, activista de direitos humanos desde 1969, membro do Green Party e do grupo OutRage.

Tatchell nasceu em Melbourne, na Austrália, mas radicou-se no Reino Unido em 1971 e tornou-se cidadão britânico em 1989. Como activista LGBT participou em campanhas em vários países, designadamente na Rússia, Iraque, Síria, Palestina, Irão e no Zimbabwe, onde a polícia pessoal de Mugabe o brutalizou, sofrendo ainda hoje de sequelas da tortura. Tendo participado na luta anti-apartheid na África do Sul, criou um lobby no ANC que levou o partido de Mandela a aceitar os direitos dos homossexuais: a África do Sul é o único país africano que permite e reconhece legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em 1983, quando ainda era membro do Labour, foi difamado e ameaçado de morte (a coisa meteu tiros) durante a campanha eleitoral no círculo de Bermondsey. A Fundação que criou é uma referência mundial nos direitos LGBT. 

Resumindo: não estamos a falar de alguém que vai às recepções de Buckingham preencher quota. Não obstante, Theresa May, tal como os seus antecessores, acha-o inconveniente.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

FILIPA MELO


Hoje na Sábado escrevo sobre Dicionário Sentimental do Adultério, de Filipa Melo (n. 1972), obra singular que acaba de chegar às livrarias. Com desembaraço e alguma ironia, a autora cruza fontes históricas e bibliográficas com textos literários de todas as épocas, compondo uma panorâmica do adultério tout court. Sem pretenciosismos académicos, o Dicionário... leva-nos de Abraão a Zeus. Como qualquer dicionário, também este está ordenado por ordem alfabética: Abraão, Bovary, Cleópatra, Doidas, Espinosa, Festa dos Cornos (nos Açores) e assim sucessivamente. Num registo heterodoxo, a autora não hesita em considerar a ligação de Abraão com Agar um acto equivalente ao que hoje chamamos barriga de aluguer. Não deixa de ter razão: a condescendência da mulher de Abraão de certo modo antecipou essa prática hoje comum. O verbete dedicado a Hollywood é ilustrado com a ligação entre Ingrid Bergman e Roberto Rossellini, ambos casados. Ingrid engravidou antes de divorciar-se e o tom das manchetes provocou, como sói dizer-se, alarme social. O caso foi discutido no Senado, onde Ingrid e Rossellini foram apelidados de «agentes do Diabo» (um pedido oficial de desculpas chegaria vinte anos mais tarde). Um exemplo típico da hipocrisia social nos anos 1940 e 50. Em Estatísticas, somos confrontados com uma série de estudos sobre hábitos e comportamentos sexuais. Uma citação da antropóloga Helen Fisher relacionada com períodos de adultério permissivo em «139 sociedades estudadas na década de 1940», deixa o leitor pendurado. O trecho remete para a fonte (a obra Anatomy of Love, de 1992), mas não nos diz quais as sociedades onde, em certas datas comemorativas, homens e mulheres podiam ter relações extra-conjugais com os respectivos cunhados. É pena. O adultério de Maria Adelaide Coelho, tornado público em 1918, expõe com clareza a subalternidade das mulheres. Filha e herdeira do fundador do Diário de Notícias, Maria Adelaide abandonou a casa de família, o palácio de São Vicente, para seguir o amante, vinte anos mais novo. Apoiado em pareceres clínicos, o marido, o influente Alfredo Carneiro da Cunha, internou-a num hospício do Porto durante oito meses (o amante esteve preso sem culpa formada durante quatro anos) e desapossou-a de todos os bens. Doida, diziam eles. Três estrelas. Publicou a Quetzal.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

GEORGE ROMERO 1940-2017


Vítima de cancro no pulmão, morreu ontem George Romero, o realizador que inventou os zombies. Quem não se lembra de filmes como A Noite dos Mortos-Vivos (1968) ou, meu preferido, O Despertar dos Mortos (1978), passado no cenário fantasmático de um shopping? Era um realizador de segunda linha? E daí?